terça-feira, 17 de abril de 2012

As palavras do banqueiro

Por Baptista Bastos, no  « negócios online»


"Portugal está a trabalhar bem para cumprir os seus objectivos", disse o banqueiro Ricardo Salgado, com aquele ar assustador que o distingue. É um elogio ou o sinal de que somos a obediência em estado puro? A verdade é que sempre trabalhámos bem, muitas horas, cabisbaixos e tristes, não somos culpados deste infortúnio que nos caiu em cima, e pagamos uma culpa irremediável. Trabalhamos bem. Diz o banqueiro. E ele e os outros, têm trabalhado bem?

A pergunta modesta e singela tem razão de ser. Que têm feito pela pátria, ele e os outros? Que objectivos perseguem senão aqueles dimanados pelo lucro? Nada destas questões assentam num primarismo tonto. Correspondem a uma verdade como punhos. Eles enriquecem com o nosso dinheiro, quando cometem disparates têm sempre o respaldo do Governo, e, ainda por cima, atrevem-se a ditar sentenças. Sei, claro que sei e sabemos, que a Banca é um dos pilares do capitalismo, e que o capitalismo, ao contrário do socialismo, não promete nada, e muito menos a felicidade dos povos. Mas deixá-lo à solta, é arriscadíssimo. Tem-se visto.
A crise por que atravessamos não tem merecido, dos banqueiros, um esforço aturado de análise. E se, entre 1929 e agora, a crise possui semelhanças que têm sido escamoteadas, as causas são sempre as mesmas, porventura mais ou menos graves. Por sua vez, os políticos, esta geração de políticos, não sabe o que fazer. E a Europa está nas mãos de uma Direita tão anacrónica como incompetente.

Os senhores da Europa assenhorearam-se do mando porque são mais fortes, dispõem de dinheiro, de informação e de poder. Mais ainda: arregimentam Governos servis, de cega obediência, que mais não são do que serventuários de interesses alheios. O Governo português não foge à regra: é um arregimentado, sem personalidade própria, seguidor de uma estratégia imperial bicéfala. Mas não será a França a detentora absoluta do poder. Chegará a altura que ela própria sofrerá as consequências da megalomania.

O discurso clássico sobre a bondade da economia moral não passa de uma facécia. A economia vive de si mesma, e o pretendido equilíbrio geral que provoca é o equilíbrio instável do momento. Marx esclareceu. E se alguns preopinantes desenfreados entendem Marx como um pensador ultrapassado, ignoram que a relação económica imposta sem regras conduz ao descalabro. Como nos aconteceu esta desgraça?, perguntam as pessoas que mais sofrem a crise. Acontece que o mundo e os homens se transformaram em cobaias ou mercadorias, e introduzidos como engrenagens de uma roda infernal.

"Gastámos de mais. Gastámos acima das nossas possibilidades", dizem por aí. Gastámos, quem? Gastámos de mais, se sempre tivemos de menos? A falácia não esconde o jogo desta hipocrisia inominável. Quando Ricardo Salgado formula aquela opinião, sabe muito bem que somos comprados, utilizados e manipulados a BEL-prazer das circunstâncias. Trabalhamos bem porque não recalcitramos contra estas afrontas, porque somos colonizados como peças de um empreendimento de domínio. No caso português, por submissão e impossibilidade criada pelos mecanismos de mando, chegamos a ser cúmplices dos nossos próprios verdugos.

Todos os dias, de forma quase implacável, surgem notícias de novas submissões. Todos os dias aumentam os impostos, de forma directa ou indirecta, e ninguém sabe explicar porquê, a não ser que a crise é que determina. Os portugueses nunca foram senhores da sua liberdade, é verdade. Desde sempre fomos colónia de qualquer império, e chagámos a ser colónia do nosso próprio império. A banalidade económica do mal (parafraseando Hannah Arendt) provém da banalidade do mal do capitalismo. E a implosão do "comunismo" auxiliou, grandemente, a voracidade da luxúria. Não digo nada que se não saiba: as coisas estão por aí.

Sofremos, em Portugal, o reflexo de uma ideologia que se oculta sob o nome de "neoliberalismo." Não é "neo", nem "liberalismo." As palavras têm sido alteradas e adulteradas ao sabor das circunstâncias históricas. E dispõe, a ideologia, como todas as ideologias dispõem, de turiferários encartados, que encenam o destino dos outros e são pagos para isso. "Portugal está a trabalhar bem", assevera Ricardo Salgado. Está. Mas será em benefício próprio?


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