quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Se a hipocrisia pagasse imposto

Por Vasco Cardoso, no jornal «Avante!»


No meio desta profunda crise as contradições e os contorcionismos surgem à velocidade de um foguete. Muitos procuram apagar o rasto das suas responsabilidades, outros dissimular os objectivos e intenções que os movem, outros ainda disfarçar os seus propósitos. E todos juntos, com o servil papel dos principais media, visam prosseguir o rumo de exploração e empobrecimento que tão bem tem servido os interesses do grande capital e perpetuar o sistema de que são filhos, usando para tal da hipocrisia como forma de estar e intervir na vida política como bem se viu na última semana.
Hipocrisia expressa nas declarações do primeiro-ministro sobre não querer um modelo de baixos salários para Portugal, quando, ao mesmo tempo saqueia os salários dos trabalhadores da administração pública, recusa o aumento do salário mínimo, ou promove a simplificação e banalização dos despedimentos – conforme está patente na proposta de revisão da lei sobre a matéria – e cujo principal efeito é... baixar salários.
Hipocrisia quando ouvimos as declarações de dirigentes do PS contra a prova imposta aos professores de acesso à sua profissão (uma vez mais com a cobertura da UGT), quando se sabe que foi o PS a introduzir tal instrumento de exclusão de docentes, ou a chorarem lágrimas de crocodilo sobre os Estaleiros Navais de V. Castelo quando as suas responsabilidades na destruição da empresa não são menores do que as do PSD ou do CDS.
Hipocrisia quando ouvimos o dono das lojas Pingo Doce, Soares dos Santos, falar em nome dos interesses nacionais, ao mesmo tempo que transfere a sede da empresa para a Holanda para não pagar impostos, arruína milhares de produtores nacionais e desenvolve mecanismos de exploração dos trabalhadores (como o banco de horas) que aniquilam direitos a quem lhe faz acumular fortuna.
Hipocrisia quando ouvimos o Presidente da República tecer elogios póstumos a Nelson Mandela depois de ter, enquanto primeiro-ministro, alinhado ao lado dos EUA votando na ONU contra a libertação do dirigente sul-africano.

Hipocrisia que é no fundo um espelho da própria decadência moral das classes dominantes e do seu receio em que se aprofunde a consciência nos trabalhadores e nos povos de que o País e o mundo não podem continuar assim.

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