quinta-feira, 4 de setembro de 2014

O lingote

Por Henrique Custódio, no jornal «Avante!»
Este Governo – no que, anote-se, não é diferente dos anteriores – movimenta a «coisa pública» como se ela fosse uma caverna de Ali Bábá, onde o Executivo se vai servindo quando e quanto lhe apetece e sem minimamente temer que alguém lhe peça contas.
A impunidade do caso contribuiu não apenas para o endémico descrédito em que mergulhou a governação do País, mas também (e sobretudo) para a insuportável mixórdia do público com interesses privados e na espécie de nó górdio em que se constituiu a apropriação do poder político pelo poder económico, consubstanciado na alta finança.
Teceu-se e instalou-se uma floresta de enganos onde, regularmente, o País se reúne em clareiras para renovar eleitoralmente o mandato de quem sempre o iludiu e, sobretudo, foi implacavelmente destruindo os direitos e garantias de cidadania na República democrática.
Inventaram até uma designação totalitária – a do «arco da governação» – para se perpetuarem no poder com uma legitimidade de facto e presuntivamente aceite num arremedo de vox populi.

O pano de fundo desta malformação do regime são os escândalos do BPN (que se tornou proscrito em 2008), do BPP (idem) e do BES/GES nos últimos meses, tremelicando pelo meio o resto do sector bancário, incluindo a CGD, banco público que tem servido para todo o tipo de jogadas e compadrios, de que a nomeação para gestor de Armando Vara é só um exemplo caricato.
Nesta enxurrada com início em 2008 foram borbotando, como bolhas de champanhe a gorgolejar, altas figuras do «arco da governação» que têm transitado, lépidos, entre «a coisa pública» e «a coisa privada», estabelecendo uma tão intrincada rede de cumplicidades, que não há Judiciária nem tribunais que até agora a hajam conseguido desenrolar.
Esta impunidade crapulosa tem sido usada afincadamente pelo Governo Pedro e Paulo e já não há semana sem exemplos disso, como nesta, onde o Governo nomeou, por interposta secretária de Estado do Tesouro, um gestor deswaps aquando da sua passagem pela Metro do Porto para coordenar a nova entidade que vai fiscalizar as contas das empresas públicas. O despautério foi tal, que o homem alegou motivos pessoais e apresentou a renúncia ao cargo dias depois. O mesmo se poderá colocar na nomeação directa de um filho de Durão Barroso para o BdP, mas também temos a notícia de que a firma de advogados Sérvulo Correia & Associados (um longínquo nome do PSD) cobrou 1080 euros ao Estado por um almoço privado a convite do advogado Bernardo Ayala e depois cobrou os 45 minutos gastos a redigir a carta que reconhecia o «erro» da anterior cobrança, o que levou o embaixador Pedro Catarino, o dignitário do Estado envolvido no caso, a suspender o contrato com a firma Sérvulo Correia por «abuso deontologicamente reprovável».

Trata-se da «política do lingote de ouro». É fácil, porque o lingote do Tesouro paga tudo e ninguém lhe pede explicações.

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