O assunto já tem uns dias mas nem por isso pode deixar de provocar perplexidade e indignação. O actual Presidente da República, Cavaco Silva, referindo-se à situação grega, decidiu, tal como o Governo português, alinhar no coro das pressões, chantagens e ameaças que se fizeram sentir sobre a Grécia nas últimas semanas. Desta vez, Cavaco optou por relembrar os «muitos milhões de euros que saem da bolsa dos contribuintes portugueses» para aquele país, insinuando desta forma que qualquer decisão que rompesse com as imposições da UE e do grande capital seria prejudicial para Portugal.
Não cabe aqui avaliar os desenvolvimentos posteriores na Grécia, mas tem uma enorme importância desmontar a hipocrisia e a mistificação a que Cavaco deu voz. De facto, Portugal envolveu-se em 2010 num programa de empréstimos bilaterais aos quais estava associado um conjunto de condicionamentos políticos. Essa «ajuda», que envolveu cerca de 1000 milhões de euros, foi apoiada por PS, PSD, CDS e BE com as consequências que estão à vista. Mas ao mesmo Presidente que procurou instigar o povo português contra qualquer miragem de exercício de soberania de outros povos, não se lhe ouviu, nem ouve, uma palavra sobre os milhares de milhões de euros de recursos públicos despejados no BPN, BPP, BES & Cia, sobre os 35 mil milhões de euros que Portugal pagará (sem renegociação, claro!) de juros pelos empréstimos da troika, sobre os milhões de euros perdidos em negócios ruinosos das chamadas parcerias público privadas, sobre os muitos milhões que são esbulhados ao erário público por via da fuga e evasão fiscal (dentro e fora da lei) a que os grupos económicos e financeiros recorrem.
Na verdade, muitas destas decisões passaram pelas suas mãos e o seu papel enquanto PR tem sido o de garantir que os agiotas e especuladores possam receber até ao último cêntimo o produto da sua agiotagem. Consciente da insustentabilidade da dívida pública (portuguesa ou grega), a sua intervenção política (tal como a do PS, PSD e CDS) ao recusar a renegociação da dívida ou qualquer ruptura com os condicionalismos impostos pela UE, visa tão só a defesa dos interesses do grande capital. O que dói a Cavaco não é o sofrimento do povo português mas a possibilidade de um dia este querer ser dono do seu nariz.
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