Nestes tempos de crescentes bloqueios ao desenvolvimento e de políticas carregadas de injustiças que vão colocando o povo português mais pobre e o país à beira do precipício, ouvimos todos os dias a ladainha das inevitabilidades e, cada vez mais, a invocação do interesse nacional. Não faltam demonstrações de que o Governo e outras forças do poder invocam o interesse nacional como forma de subverterem compromissos fundamentais que tinham com os portugueses. E, assim, vão colocando em causa o Estado de Direito e valores e princípios estruturantes da democracia e da soberania de Portugal.
Não cabe neste artigo uma reflexão sustentada sobre o que é e como se pode expressar o interesse nacional, mas o seu cerne é a vida e os direitos dos cidadãos. Observemos, então, o que diz a Constituição da República (CR), no seu art.º 18.º, sobre a "força jurídica" dos "Direitos e Deveres Fundamentais dos Portugueses".
1 - "Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas".
2 - "A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos".
Os portugueses, as suas instituições e organizações, não podem ignorar que o país estabeleceu compromissos complexos e muito duvidosos com entidades estrangeiras no "Memorando da Troika". Será que as implicações desse memorando respeitam a CR? Nenhuma instituição, com autoridade na matéria, faz um esforço sério de observação dos seus impactos reais para que possamos mobilizar os portugueses e reforçar as posições do país junto das instituições estrangeiras?
Quando o Governo, o presidente da República, alguns partidos políticos e até alguns juristas que já se esqueceram do que é o Direito insistem no absolutismo das disposições e objectivos do Memorando, onde colocam o interesse nacional?
Os órgãos de soberania têm a obrigação de defender os interesses do povo que representam, ou são executores de memorandos que inscrevem como prioritários, não os interesses do povo português, mas sim dos seus credores e dos agiotas que permanentemente empolam a dívida?
Temos a governação de um país soberano ou passamos a ter um Governo de país sob ocupação estrangeira?
O debate difícil mas necessário, sobre os delicados conteúdos e as formas de agir politicamente, que estas questões nos colocam, constitui elemento sensível para a definição, quer de pequenas nuances da acção política em curso quer para formulação de fortes e indispensáveis reivindicações de exigência de rupturas com as políticas que vêm sendo prosseguidas, no plano nacional como no plano europeu.
Quando nos dizem que é do interesse nacional impor os sacrifícios e as injustiças que recaem hoje sobre os trabalhadores e a maioria dos portugueses, nós temos obrigação de questionar: o Governo e os que defendem as suas políticas onde identificam e como justificam os interesses superiores que impõem a violação dos compromissos do Estado e dos patrões do sector privado, no que diz respeito aos salários, a horários de trabalho estabilizados, a acesso a direitos sociais fundamentais, à protecção social? Recordemos-lhes que estes direitos se formulam como "direitos ou interesses constitucionalmente protegidos".
Será admissível (legal não é de certeza!) empobrecer o povo e arruinar o país porque se colocam no Orçamento do Estado (para o povo pagar) os imensos prejuízos de milhares de milhões de euros provocados por roubos privados, como é o caso do BPN e de outros buracos menos conhecidos? E das parcerias público-privadas e de outros processos de corrupção e compadrio não resultaram escandalosos enriquecimentos privados agora transferidos para buracos do Orçamento?
Constitui uma idiotice política dizer-se que Portugal se credibilizará, junto dos mercados e no plano internacional, com regressão económica, com mais pobreza e desemprego e com queda do seu nível de desenvolvimento.
Estas políticas jamais serão do interesse nacional!
Cada vez o admiro mais pela clareza e coerência do seu pensamento.
ResponderEliminar