Vivemos num tempo em que as eleições em outros países,
sobretudo quando se trata de grandes potências, não nos são indiferentes. Não
votamos nos EUA ou na Alemanha ou no Brasil, mas é como se o fizéssemos. Por
vezes temos mesmo os "nossos" candidatos e os "nossos" adversários nesses
países.
Nos EUA existe um sistema bipartidário onde é quase impossível surgirem
verdadeiras alternativas. As que existem são forçadas a tentar fazer caminho por
entre as estreitas fissuras do sistema político, ou a quebrar hegemonias dentro
de um dos grandes partidos - o democrático. Os que conseguem, ou parecem
consegui-lo, cedo tendem a desiludir-nos. Foi o caso de Obama no seu primeiro
mandato. Ficou muito aquém das esperanças que suscitou. Teve de enfrentar a
crise financeira, mas não foi capaz de impedir que o sistema financeiro
rapidamente se recompusesse do susto e que, no plano global, fizesse da crise
uma oportunidade para desencadear uma nova ofensiva agora dirigida contra os
estados, atingindo particularmente os do Sul da Europa.
Por isso mesmo nestas eleições americanas Obama era, para muitos homens e
mulheres progressistas, apenas o que se opunha ao mal maior. Entretanto, na
noite de terça para quarta-feira respirámos fundo e saiu-nos um "uff, Obama
ganhou".
Mitt Romney, um daqueles políticos em relação aos quais é difícil perceber
como é possível as pessoas confiarem nele, era o candidato da austeridade à
americana: do discurso contra o Estado; do deixem os mais ricos enriquecer
indefinidamente, não lhes perguntem o que fazem aos seus milhões; da defesa
pacóvia do "mérito"; do consintam todos os privilégios que permitem a quem mais
tem e pode colocar com toda a liberdade os seus rendimentos em paraísos isentos
de impostos.
Acrescente-se a tudo isto a ilusão, ainda bem viva, de que a América é o
farol do Mundo a quem tudo é permitido. Somem à austeridade à americana e à
crise mundial que ela precipitaria, uma linguagem belicista dura e o exercício
do músculo militar em todos os cantos do Mundo, e digam lá se não há razões para
sentirmos um grande alívio com a derrota de Romney?
O alívio sentido e bem agradável não pode significar, de modo algum, qualquer
escorregadela que nos conduza a expetativas não sustentadas. Os poderes
dominantes que estão para além do poder do presidente dos EUA e que este também
representa - neles se integrando, embora com possibilidade de introduzir nuances
significativas nas políticas a seguir - vão prosseguir nos seus objetivos e nas
suas práticas.
Uma amiga que viveu os dias do furacão Sandy em Nova Iorque deixou-me, em
conversa recente, dois registos que aqui partilho com os leitores do JN.
Nova Iorque está no coração do sistema capitalista que domina o Mundo. O
furacão provocou-lhe uma onda de destruição em que os sistemas de comunicação e
de informação deixaram de funcionar, a generalidade dos serviços e a Bolsa
encerraram, e meia cidade ficou sem luz, água, aquecimento e redes diversas
durante dias. O tema das mudanças climáticas, que é extraordinariamente
importante e estava totalmente ausente da campanha eleitoral, tornava-se
repentinamente, de forma brutal e na capital do sistema, muito importante
perante os olhos dos americanos. Para dar resposta à situação foi preciso impor
solidariedade coletiva e um rápido recurso às capacidades do Estado - mais ao
estadual do que ao federal, aspeto importante que os europeus devem
analisar.
O sistema tem mesmo pés de barro e o Estado e os compromissos e a
responsabilidade coletiva são instrumentos indispensáveis para responder às suas
diversas crises.
O segundo registo da minha amiga foi para observar que talvez aquele
acontecimento tenha contribuído alguma coisa para o facto de Obama, no seu
discurso de vitória, ter apelado ao humanismo, à importância da política, à
necessidade de participação dos cidadãos na governação, lembrando que os seres
humanos não são números, mas sim pessoas concretas.
É preciso, lá como aqui, governos que cumpram estes valores e compromissos.
Só o farão se se identificarem com eles e forem pressionados pelos
povos.
«Uff! obama ganhou»?: este Carvalho da Silva está cada vez mais... na mesma...
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