segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Estado social e desenvolvimento



Por Carvalho da Silva, no Jornal «JN»


O Estado social e o trabalho são hoje o alvo estratégico das políticas de austeridade impulsionadas pela troika e pelo Governo PSD/CDS e respaldadas numa União Europeia (UE) capturada por ideologias e práticas neoliberais. À "inevitabilidade" da redução dos salários e da degradação das relações de trabalho juntam agora a "inevitabilidade" da destruição do Estado social, que querem reduzir a um Estado assistencialista de serviços mínimos.

Vítor Gaspar disse que os portugueses devem decidir se querem mais Estado do que aquele que estão dispostos a pagar e Passos Coelho falou de "refundação" do Estado, quando já haviam acordado com a troika o corte na despesa, em 4 mil milhões de euros. São atos vergonhosos e de desonestidade política.

Em Portugal, como na generalidade dos países europeus e outros, o progresso das sociedades e a consagração de valores democráticos tiveram na afirmação do valor e dignidade do trabalho e dos direitos sociais os seus dois fundamentais ancoradouros.





O magro Estado social português, construído pela ação e luta de gerações, sustentou-se nos compromissos inscritos na Constituição da República em 1976 e significa, sem dúvida, um dos grandes avanços civilizacionais propiciado pelo 25 de Abril de 1974. Agora, por ação do Governo e da maioria que o suporta, com a cumplicidade do presidente da República, está em marcha um ajuste de contas com esses avanços sociais, culturais e democráticos.

Usando a boleia e o pretexto da crise - em nome da qual dizem que não há dinheiro -, mentindo quanto aos objetivos de "novos" compromissos de justiça social, este Governo dos credores (e dos agiotas), dos acionistas de grandes grupos financeiros e económicos, quer impor aos portugueses uma nova versão do Estado assistencialista do século XIX.

A pretensa liberdade de escolha entre oferta pública e privada - na Educação, na Segurança Social, na Saúde - é apresentada de forma mentirosa como opção mais democrática.

Num Estado social de mínimos, trata-se de mentira absoluta afirmar que se deposita nos cidadãos e nas famílias a escolha do que lhes servir melhor, pois um qualquer cheque-ensino não lhes permitirá senão fazer uma escolha entre escolas públicas, qual delas a mais degradada e sem recursos.

É falsa a ideia de que o acesso aos cuidados de saúde públicos deve ser em função dos rendimentos, quando o que está em marcha diminuirá inexoravelmente a qualidade dos serviços à medida que estes são concebidos apenas para pessoas na pobreza ou na sua proximidade.

A especulação sobre as grandes reformas é feita para cobrir com demagogia a defesa do plafonamento das pensões. Na Segurança Social existem pouco mais de 500 reformados com pensões superiores a 5000 euros e a pensão média do regime contributivo é de 470 euros (Regime Geral). O sistema precisa de todos os trabalhadores e não surgirão alternativas positivas à solidariedade intergeracional.

Após a privatização da ANA, da TAP e das áreas rentáveis dos transportes públicos, das águas, dos correios, entendem os nossos governantes e os seus mandantes que resta oferecer ao capital financeiro e aos grandes grupos económicos o último eldorado: entregar à exploração dos mercados e do sistema financeiro os setores rentáveis do fundamental das funções sociais do Estado.

Nestes tempos em que a austeridade funciona como arma de arremesso para aprofundar a desigualdade e proteger os rendimentos dos poderosos, é tempo de unir esforços entre trabalhadores, forças políticas e sociais da Esquerda, sindicatos e movimentos sociais, para denunciar o golpe que o Governo prepara e colocar no centro do debate a defesa e o futuro do Estado social. A petição lançada pela CGTP-IN "em defesa das funções sociais do Estado" é muito oportuna e merece apoio. Outras iniciativas sociais e políticas têm de ser feitas para que o combate seja vitorioso.

É preciso políticas económicas sérias para haver emprego e mais recursos, mas hoje a despesa social em Portugal não é superior à da maioria dos países da UE.

Não haverá crescimento económico em resultado da destruição do Estado social e este faz falta à construção da justiça social, ao combate à pobreza e ao desenvolvimento da sociedade.

Sem comentários:

Enviar um comentário