Manuel Alegre tem, de tempos a tempos, de fazer uma espécie de prova de vida. Em entrevista ao jornal i – coisa profunda que permite espraiar as ideias, para que arejem melhor – Manuel Alegre decidiu atirar-se à «esquerda», afirmando que «a esquerda não serve para nada».
Aparentemente amargurado com o que diz ser «uma derrota total da esquerda» (leia-se após o seu afastamento da política pela esquerda baixa e, presuma-se, por causa disso), fala, como aquela senhora do anúncio do Continente, do tempo em que «havia um horizonte, e a ideia de que era possível transformar o mundo», o tempo em que existiam «o sonho a esperança e a utopia», coisas que, para o senhor, agora se terão esvaído.
No fundo, Manuel Alegre, continua a ver-se a si mesmo como um D. Quixote que tem tentado resistir «muitas vezes sozinho», que até se opôs ao Tratado de Maastricht (espécie de carta de alforria de lutador anti-liberal que gosta de exibir).
O problema é que eu sou do tempo em que não é aceitável rasurar a história.
Alegre, que esteve com todos os orçamentos do Estado dos governos do PS, sempre eivados da política de direita, que votou o fundamental das medidas anti-sociais desses sucessivos governos, que apoiou as privatizações, votou contra o Tratado de Maastricht, é certo, mas votou a favor de todos os outros, incluindo o de «Lisboa», que instituiu o neoliberalismo, o federalismo e o militarismo como doutrina oficial da UE.
E tem a lata de, nesta entrevista, se mostrar indignado pelo facto de nunca ter havido um referendo sobre a Europa, quando ele votou contra as propostas do PCP nesse sentido e, no caso do Tratado de Lisboa, mandou às malvas a promessa eleitoral de o referendar, abstendo-se, porque segundo afirmou na altura era necessário «assegurar a viabilidade do Tratado. A realização de um referendo podia abrir um precedente e pôr em risco o Tratado».
Está à vista o figurão. Alegre fala de ruptura, mas não se compromete com a rejeição do pacto de agressão, fala de «outra política económica» mas diz que não se pode pôr como condição ao PS que este «rasgue com a troika».
Há de facto gente que se diz à esquerda que, mais do que não servir para nada, serve historicamente os interesses da política de direita.
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