O presidente da República (PR), na sua comunicação ao país na passada quarta-feira, entre contradições, excessos e insuficiências que preencheram o seu discurso, colocou aos portugueses um cenário de gestão da grave situação em que o país se encontra, que passa pela perspetiva de lhes conceder a possibilidade de usarem o seu voto em eleições a realizar no prazo aproximado de um ano, mas assegurando previamente que esse voto já não tenha capacidade de escolha.
Na conceção do PR, a realização de eleições daqui a um ano tem como pressuposto que os partidos do atual Governo, mais o Partido Socialista (PS), concluam previamente "um compromisso de salvação nacional", com alcance muito para além da data das eleições.
O Partido Comunista Português (PCP) e o Bloco de Esquerda (BE) são partidos que têm, como os outros, o direito e o dever de construir alternativas, de pretenderem ser maioria e de governarem. Ao excluí-los do cenário, que conteúdos de debate, que programas eleitorais e de Governo está o PR a propor aos portugueses como passíveis de escolha? Que conceção de democracia é esta? O que faria este PR se, até formal e institucionalmente, os portugueses lhe dissessem que discordam dele?
Nesta forma (democrática?), de inspiração presidencial, antes do exercício do voto já existiria um resultado garantido: um programa de governação na base do prolongamento da austeridade, com Portugal prosseguindo na sua condição de país ocupado.
Os comentários à comunicação do PR colocam em evidência que ainda existem significativos setores políticos, empresariais e de outros interesses que o acompanham na desvalorização do voto democrático e da soberania do povo. São os mesmos que sentem alergias à mobilização social e popular, clamando contra a hipótese de esta influenciar as políticas, mas que todos os dias tentam fazer crer que o interesse nacional é sinónimo dos interesses dos privilegiados, dos credores e agiotas. São os que aplaudem a governação feita por burocratas estrangeiros e nacionais sem mandato, que tomam as chantagens dos mercados como regras soberanas, que acham que os direitos dos trabalhadores e dos povos se devem sacrificar para pagar monumentais roubos e indevida apropriação de riqueza.
O PR, para fundamentar o seu objetivo de tutelar a democracia - afinal o presidente tem e pode exercer muitos poderes -, deitou mão de algumas armas pouco limpas.
Primeiro, persistiu na tese, politicamente criminosa, de que o único caminho que o país pode seguir é o das políticas de austeridade e de "roubo" do Governo e da troika, comprovadamente injustas e demolidoras para qualquer país.
Segundo, manipulou, ardilosamente, incertezas com que muitos portugueses encaram a hipótese de eleições por não sentirem a existência afirmada e credibilizada de propostas alternativas. Essa obsessão pela demonstração de que não há alternativas leva-o a caminhos populistas que alimentam descrédito nos partidos políticos e na democracia. Na sua fórmula, o PR quer que a podridão da direita e de um certo centro de interesses contamine tudo. E, procurou levar para os portugueses uma chancela de exclusão, superiormente sancionada, sobre o PCP e o BE.
Terceiro, puxou até à exaustão pelo medo, apresentando sem verdade muitos dos custos de caminhos alternativos. Ora, o PR sabe que os piores custos são os das atuais políticas e da continuação de um Governo degradado e indigno. Não vale esconder aos portugueses os brutais sacrifícios por que têm passado e vão passar em resultado do errado caminho adotado.
Quarto, prosseguiu na patranha da "importância" de se "concluir com êxito" o "Programa de Assistência Económica e Financeira", sabendo ele que essa conclusão implica insuperáveis dificuldades e obstáculos.
Está, pois, na ordem do dia, a exigência de um ato de sanidade política que apeie este Governo rapidamente, que propicie eleições onde se fale verdade e sejam expostos caminhos de futuro que os portugueses possam discutir e sobre os quais possam optar. O PS não pode ir no apodrecimento e no descrédito. Ao conjunto das forças de esquerda está recolocada, com força e premência, a exigência de se encontrarem os denominadores comuns necessários para uma verdadeira alternativa.
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