O País terá acordado em sobressalto pelo sismo dos vistos gold.
Talvez sem razão para tal espanto, olhada a falta de credibilidade do
Governo e da sua política. Qual donzela ofendida, veio a maioria bradar
sobre uma alegada confusão que entre Justiça e política estaria a ser
imprimida à questão. Talvez agora com a demissão do ministro a conexão
lhes pareça mais óbvia. Mesmo que a saída de Miguel Macedo, o escape
encontrado pelo Governo para proteger outros envolvimentos, não seja
mais do que isso: uma saída para procurar evitar o que emerge como
ilação inevitável deste processo – a exigência de demissão do Governo.
Bem pode o primeiro-ministro, secundado por Cavaco Silva, vir com ar
indignado alegar que tudo continua na maior das normalidades, sustentada
na inquebrável credibilidade governativa e no indesmentível
funcionamento regular das instituições e dos mais altos cargos públicos.
Fruto do delírio que o invade, teimará até poder em não mudar de sítio
mesmo quando o tecto já lhes caiu em cima.
Os vistos gold,
jóia da coroa e marca de água do Governo, são o que são: um instrumento
que, a pretexto da captação de investimento, transporta um potencial de
favorecimento de actividades ilícitas, branqueamento de capitais e,
como agora foi revelado, de abrigo de foragidos à Justiça internacional.
A muito popular expressão de que a «ocasião faz o ladrão» assenta aqui
como fato à medida. Verbalizada neste contexto, registe-se a prevenção,
como figura de estilo e dimensão política e não como antecipada
sentenciação do que à Justiça diz respeito. Pelo que as indispensáveis e
conhecidas formulações sobre presunção de inocência, indícios e o
insubstituível «alegadamente» se devem considerar implícitas. Esperemos
que aquilo que já se vai conhecendo – conexão de ministros e altas
figuras do PSD com a emissão dos vistos, envolvimentos ao nível da
cúpula de serviços do Estado, instruções políticas para agilizar os
procedimentos –, não venha a submergir pelo lastro dos encobrimentos que
justificaram a emersão dos conhecidos submarinos. Sendo que para a
demissão de um governo, razões outras e de maior peso que não esta,
teriam sido de há muito justificação bastante para a concretizar.
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