quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Os vistos e a ocasião

Por Jorge Cordeiro, no jornal «Avante!»
O País terá acordado em sobressalto pelo sismo dos vistos gold. Talvez sem razão para tal espanto, olhada a falta de credibilidade do Governo e da sua política. Qual donzela ofendida, veio a maioria bradar sobre uma alegada confusão que entre Justiça e política estaria a ser imprimida à questão. Talvez agora com a demissão do ministro a conexão lhes pareça mais óbvia. Mesmo que a saída de Miguel Macedo, o escape encontrado pelo Governo para proteger outros envolvimentos, não seja mais do que isso: uma saída para procurar evitar o que emerge como ilação inevitável deste processo – a exigência de demissão do Governo. Bem pode o primeiro-ministro, secundado por Cavaco Silva, vir com ar indignado alegar que tudo continua na maior das normalidades, sustentada na inquebrável credibilidade governativa e no indesmentível funcionamento regular das instituições e dos mais altos cargos públicos. Fruto do delírio que o invade, teimará até poder em não mudar de sítio mesmo quando o tecto já lhes caiu em cima.


Os vistos gold, jóia da coroa e marca de água do Governo, são o que são: um instrumento que, a pretexto da captação de investimento, transporta um potencial de favorecimento de actividades ilícitas, branqueamento de capitais e, como agora foi revelado, de abrigo de foragidos à Justiça internacional. A muito popular expressão de que a «ocasião faz o ladrão» assenta aqui como fato à medida. Verbalizada neste contexto, registe-se a prevenção, como figura de estilo e dimensão política e não como antecipada sentenciação do que à Justiça diz respeito. Pelo que as indispensáveis e conhecidas formulações sobre presunção de inocência, indícios e o insubstituível «alegadamente» se devem considerar implícitas. Esperemos que aquilo que já se vai conhecendo – conexão de ministros e altas figuras do PSD com a emissão dos vistos, envolvimentos ao nível da cúpula de serviços do Estado, instruções políticas para agilizar os procedimentos –, não venha a submergir pelo lastro dos encobrimentos que justificaram a emersão dos conhecidos submarinos. Sendo que para a demissão de um governo, razões outras e de maior peso que não esta, teriam sido de há muito justificação bastante para a concretizar.

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