quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Decantação

Por Vasco Cardoso, no Jornal «Avante!» 


Diz-nos a Wikipédia que decantação «é um processo de separação que permite separar misturas heterogéneas». Fala-se de vinho, naturalmente. Mas convocamos este conceito a propósito do processo de triagem social que tem vindo a ser imposto no sistema de ensino português e que, tal como noutras matérias, está em fase de aceleração por via da concretização do pacto de agressão.

A recuperação do objectivo, já anteriormente adiantado por governos PS, de empurrar 50% dos estudantes no ensino obrigatório (a partir do 10.º ano) para o chamado Ensino Profissional, como anunciou o ministro Crato esta semana, tem uma marca de classe que exige denúncia e combate. Trata-se da consagração de uma limitação quantitativa global – tal como os numerus clausus – que tende a excluir metade dos estudantes do Ensino Secundário do acesso ao Ensino Superior. Confrontados com os crescentes custos de frequência deste – propinas anuais superiores a mil euros para licenciaturas e alguns milhares para mestrados –, ameaçados pelas fracas expectativas no reconhecimento dos seus conhecimentos e pelo peso do desemprego, pressionados pela teoria da «empregabilidade» das formações que reduz o conhecimento às necessidades do capital, amalgamados em mega-escolas e mega-turmas, serão sobretudo os filhos das classes e camadas de mais baixos rendimentos a engrossar o tal Ensino Profissional. Não se trata de adivinhação, mas da constatação do que hoje já se verifica.

Depois dos enormes avanços que a Revolução de Abril trouxe à escola pública, a triagem social no sistema de ensino não só se está a aprofundar, como se está a aproximar deliberadamente de métodos praticados ao longo de décadas de fascismo: regresso aos exames nacionais em todos os graus de ensino; empobrecimento de currículos e da sua dimensão transversal; revisionismo histórico e manipulação ideológica; substituição do acesso ao conhecimento pelas chamadas «competências»; aumento dos custos de frequência; o «Estatuto do aluno»; «Directores de Escola»; «Quadros de honra»; «rankings» e outras coisas mais, que, no seu conjunto, configuram uma escola pública cada vez mais distante de Abril, dos interesses do Povo e das necessidades do País a que urge pôr cobro.

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