sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Cuidado com o que estão a fazer, cuidado!

Por Baptista Bastos, no Jornal «negócios»
 
Somos colocados perante os factos consumados, numa bruma de situações que beneficia, muitas vezes, não se sabe quem. Nós é que não. O "Público" revelou, ante o espanto dos indígenas, que as devidas contrapartidas do negócio dos submarinos foram saldadas com a reconversão de um velho hotel no Algarve. Ao que parece há 490 milhões de euros em falta. Um novo contrato anulou o anterior, e tudo ficou em águas de bacalhau.

Assistimos, quase diariamente, a assuntos desta natureza, ou semelhantes, que dão azo a que pensemos em trafulhices e no aumento do descrédito das pessoas e das instituições. O Orçamento foi aprovado sob uma onda de protestos e do mal-estar das próprias bancadas da coligação. A procissão ainda não saiu do templo, e lá vem o ministro Gaspar a revelar que os "riscos e as incertezas" do documento são grandes e imponderáveis. Adicione-se, a estas balbúrdias, o caso, escabroso, da visão, pela polícia (qual polícia?), das filmagens da última manifestação da CGTP, e o quadro de sombras e de equívocos da actual sociedade portuguesa atinge as zonas do insuportável.

Pior do que tudo, os casos em si, que se acumulam uns sobre os outros, é a aparente indiferença com que assistimos a estes imbróglios. As contas que o Governo nos presta são evasivas ou, pura e simplesmente, inexistentes, e a violência contida no Orçamento, sem precedentes na nossa história recente, está a causar, não apenas a indignação generalizada, como rupturas graves na coligação, e em elementos que lhe são próprios. Bagão Félix, por exemplo, serviu-se de linguagem extremamente violenta para cauterizar o documento, e o Governo. Disse da sua inconstitucionalidade, da necessidade da intervenção do Presidente da República e declarou: "É fácil ser corajoso com os mais fracos." Aliás, o antigo ministro das Finanças tem sido muito crítico relativamente às decisões governamentais, alertando para a crispação social, que pode conduzir a situações irreparáveis.

Não é só a aplicação brutal de um novo paradigma, de que Passos Coelho e Vítor Gaspar são executantes fidedignos e servis, que está em causa; é o próprio conceito de democracia que continua a ser abalado. Um pouco por toda a parte, as críticas a este modelo não param. E quase todas indicam que o caos e a catástrofe estão iminentes. A substituição dos parâmetros políticos, económicos e sociais por algo cuja natureza é obscura ou extremamente perigosa, como se tem verificado, começou a causar alarme. Mesmo entre aqueles que, até há pouco tempo, eram seus panegiristas entusiásticos.

Em Portugal, o poder vigente provoca apreensões pela indiferença manifestada em relação aos mais desfavorecidos. Sublinhando o que disse Bagão Félix, a prudência afrontosa com que os mais ricos, os bancos e os grandes interesses são tratados, configura uma infame provocação. O "empobrecimento" da população, prognosticado, como doutrina ideológica, por Pedro Passos Coelho, tem-se revelado eficaz, na perspectiva dele e da sua gente. Porém, a destruição, pensada e sistemática, das estruturas sociais, associou-se, como era de prever, à liquidação dos padrões morais, dos valores éticos e dos princípios que cimentaram os nossos conceitos civilizacionais. O que este Executivo pôs em causa e demoliu foram essas concepções fundamentais do nosso viver colectivo. A própria Igreja católica, habitualmente reservada, tem demonstrado uma apreensão não apenas momentânea. Percebeu, a Igreja, que não é somente a fome, a miséria, o desespero que assolam milhões de portugueses: a desagregação civilizacional, que esta teoria envolve e implica tem conduzido à própria insolvência dos laços sociais. O desrespeito pelo factor humano é outra das causas deste sistema infernal.

Até aonde nos levará o ideário de que Passos é áulico servil? A angústia, o desespero, inquietação, a fome, o desemprego crescente, a ausência de perspectivas dos mais novos, o abandono dos velhos, os sem-abrigo impelem a acções defensivas de resultados imprevisíveis. Determinam e explicam todas e quaisquer reacções. O desespero nunca foi bom conselheiro. Cuidado!

1 comentário:

  1. Durão Barroso Coelho e Cavaco

    a trilogia que asfixia o regime democrático

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