Os termos que vêm aparecendo na mídia europeia, inclusive na
conservadora, para avaliar a conclusão da extensa maratona que foi a
reunião de 17 horas dos líderes da zona do euro, da noite de ontem (12)
para esta manhã, falam por si mesmos: “crueldade”, “humilhação”,
“fratura”, “imposição”, “tratamento impiedoso”, “brutal” e outros. Para
quem acompanhou as negociações desde o começo, e sobretudo agora nesses
momentos finais, o que ficou claro foi a arrogância de grande parte dos
líderes da zona do euro, exigindo praticamente não só a capitulação de
Atenas, de Tsipras, Varoufakis, Syriza e do povo grego, mas pretendendo
impor a deposição do governo.
Ficou claro também que na União Europeia a democracia tem voo curto e
nariz comprido. Não há lugar na UE ou na zona do euro para um governo
de fato de esquerda, nem para algo parecido com soberania nacional,
muito menos popular. Manda quem manda, e quem manda, em nome do capital
financeiro, são os barões neoliberais da economia. Aos políticos, como a
própria toda-poderosa (na aparência) Angela Merkel, cabe fazer a
pantomima para os eleitores, fazendo de conta que esses decidem algo
importante.
Nos momentos finais dessa corrida de obstáculos, François Hollande e
Matteo Renzi ensaiaram um ar mais simpático aos gregos e a Tsipras.
Aparentemente, com um único resultado prático: originalmente o Fundo de
Capitalização oriundo das privatizações e cortes que virão deveria ficar
em Luxemburgo, não em Atenas. Pelo acordo final, esta “concessão” foi
feita: o fundo fica na capital grega, mas, de qualquer modo, será
supervisionado, senão administrado, pela Troika (FMI, BCE, Comissão
Europeia, ou seus representantes) para amortizar a dívida soberana,
capitalizar o sistema financeiro e assemelhados.
Este fundo será construído através da cessão de bens públicos a serem
privatizados no valor de € 50 bilhões. Isso significa que a Grécia
abdica de sua soberania fiscal e também da administração de grande parte
de seu patrimônio público. Outras soberanias também foram cortadas na
carne. A Grécia deve se alinhar ao que é considerado como “práticas
saudáveis” do restante da zona do euro: podar o poder de barganha dos
sindicatos, adotar medidas como a demissão em massa (pudicamente chamada
de “coletiva”), pulverizar pensões, impor o déficit zero, reformar o
mercado de trabalho, privatizar o que ainda for privatizável, inclusive
no setor energético.
As políticas de demissões, por exemplo, devem ser acordadas com as
instituições da UE. Além de tudo isso, a Grécia deve agilizar a
independência de seu setor financeiro, inclusive das instâncias
públicas, diante dos políticos. E por aí vão os termos do “acordo”.
A comentarista Suzanne Moore, do The Guardian, sintetizou
muito bem esta situação, referindo-se ao termo que a chanceler Merkel
costuma usar para caracterizar a zona do euro e a União Europeia: uma
“família”. Pois bem, diz ela, a Alemanha vem se comportando não como uma
autêntica chefe de família, mas como uma criança que faz o que faz mas
fecha os olhos, pensando que assim os outros não veem o que ela faz. Na
verdade, o que vem sendo feito hoje na Europa contém lições profundas
para quem quiser aprendê-las, naturalmente.
Por exemplo, a melhor saída desta estranha “família” é não entrar
nela, porque ela –zona do euro e UE – está se transformando numa “gaiola
das loucas”. Outra lição é a da insofismável mediocridade dos
dirigentes das áreas financeiras – o próprio Schäuble à frente –
incapazes de produzir argumentos outros que não sua posição de força.
Não conseguiram suportar o vigor nem o rigor intelectual de Varoufakis,
na prática forçando sua expulsão do “clube”.
Fica óbvio também que o que sucedeu até aqui com a Grécia reforça a
Front National na França e a oposição à UE no Reino Unido. De um modo
geral, tudo isso reforça a posição da extrema-direita em toda parte,
inclusive na Grécia e na própria Alemanha. Mas parece que o desígnio das
lideranças hegemônicas na UE e no euro implica aceitar o flerte com a
extrema-direita (até como os neofascistas da Ucrânia), mas nunca com
qualquer coisa que lembre a esquerda. Este é o aviso enviado ao Podemos,
por exemplo, ou à própria Linke alemã.
Mas a maratona esta longe de chegar ao fim. Até a quarta-feira o
Parlamento grego tem de aprovar o acordo, que depois será levado também
ao Bundestag e alguns outros parlamentos, como o finlandês, de todos
considerado o mais difícil. O partido de extrema-direita que compõe o
governo ameaça sair da coalizão, derrubando-o, caso o pacote seja
aprovado.
É curioso: foi uma “noite dos punhais” em que houve um perdedor
nítido: Tsipras, embora até aqui ele não tenha sido mortalmente
apunhalado, como queriam alguns. Mas não houve vencedores. A União
Europeia sai enfraquecida, trincada, deste processo. O euro não se
fortaleceu em nada. A chanceler Angela Merkel, que alguns gostariam de
apontar como a vencedora, sai com a imagem um tanto arranhada, de um
lado sendo apontada como a força motriz das “crueldades”, e de outro
vista como apenas uma porta-voz de quem manda de fato, o seu “chanceler
de ferro”, Wolfgang Schäuble. De qualquer modo, venha a suceder o que
vier, o prognóstico não é bom para o Velho Mundo, cada vez mais velho.
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