Por Margarida Botelho, no Jornal Avante.
Na missa em que celebrou o 50.º aniversário da sua ordenação, o cardeal-patriarca de Lisboa criticou os «grupos de classe» (leia-se: os sindicatos) que protestam contra as medidas da troika.
«Está a fazer-me muita confusão ver, neste anúncio das medidas difíceis que até nos foram impostas por quem nos emprestou dinheiro, que os grupos estejam a fazer reivindicações grupais, de classe, não gosto», afirmou o bispo na homilia. Mais: a Igreja é, segundo ele, a «organização da sociedade civil mais significativa, com mais estruturas e mais capacidade de resposta» num momento em que «a caridade é o grande desafio».
Já tínhamos ouvido D. José Policarpo, também presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, apelar a que as medidas da troika se cumprissem o mais rapidamente possível e em clima de consenso. Também já sabemos que a Igreja e as instituições de solidariedade social que influencia são um dos destinatários privilegiados do Governo para receber as largas parcelas de serviços públicos que as troikas mandam destruir. E até o ouvimos considerar que o corte no subsídio de Natal «é uma medida equilibrada».
O que ainda assim surpreende é a total ausência, em tantos meses, de uma palavra do responsável máximo da Igreja portuguesa para denunciar as injustiças sociais gritantes, o agravamento do fosso entre ricos e pobres, o escândalo do favorecimento dos grandes grupos económicos e financeiros, o agravamento das condições de vida da generalidade dos portugueses, o alastramento da pobreza.
É a indignação, o protesto, a unidade e a luta organizada que as troikas e os seus senhores temem. Por isso dedicam tantos esforços a negá-la e escondê-la: porque revela «egoísmo», não vale a pena, é ingratidão com quem nos «empresta» o dinheiro e já está tudo decidido no estrangeiro; porque a culpa é de todos, todos temos de contribuir e não podemos dar má imagem ao País. Pérolas que todos os dias comentadores, patrões, governantes – e agora até o cardeal – nos repetem.
E se provas faltassem de que só com luta se pode inverter este caminho que nos querem impor, tanto empenho de quem nos rouba em impor a resignação e o silêncio é clarificador.
Mais do que clarificador: vamos para a luta!
ResponderEliminarUm abraço.