segunda-feira, 28 de maio de 2012

Isto vai de mal a pior e a orquestra continua a tocar

Por Baptista Bastos, no jornal «negócios» do passado dia 25


O Conselho de Finanças Públicas diz que não devemos voltar aos "mercados" em 2013. À frente desta instituição está uma considerada economista, a prof.ª Teodora Cardoso, que, sem alvoroço mas com firmeza, nos adverte da gravidade da situação. O Governo diz que não: está tudo no "bom caminho" e não há razões para nos inquietarmos. Não que não há. A OCDE, por seu turno, informa que Portugal tem de pedir mais dinheiro emprestado. O Governo tenta apaziguar os ânimos e tranquilizar-nos com um discurso tonto, que contraria tudo aquilo proveniente de estudos e de pessoas qualificadas.

Não há clareza no que diz o Executivo. Tudo o que diz o Executivo é nebuloso, contraditório, um processo de negação das evidências, que começa a assustar mais do que os sustos diários embutidos por esta gente. Vai-se sabendo, perante os factos e as circunstâncias, que a perturbação política e a barafunda mental dos governantes atinge aspectos medonhos.

O patronato também não sabe o que fazer, depois de ter feito o que fez, com aquela miserável concertação social, na qual João Proença (já arrependido, ao que se deduz pelos seus ziguezagues) expôs um pouco o papel de sendeiro, depois de posar de leão. A incompetência generalizada dos membros do Executivo sobressalta. Veio, agora, o dr. Ferraz da Costa, presidente do Fórum para a Competitividade, declarar que o ministro da Economia, o romancista Álvaro Santos Pereira, autor desse admirável "Diário de um Deus Criacionista" (dizem que também é professor, valha-nos a Providência Divina!) não percebe nada do que diz e muito menos do que pratica. Está desfasado da realidade portuguesa, acrescenta, grave, o dr. Ferraz.

Pouco a pouco, fomo-nos apercebendo de que este Governo do dr. Passos Coelho é um almofariz de ineptos, e as críticas mais aceradas provêm de gente como a dr.ª Manuela Ferreira Leite, que não perde uma vezada sem ferrar uma picadela nos governantes, por sinal do seu partido. Sabe-se que a dr.ª Manuela detesta o dr. Passos e, acaso, estas ferroadas comportem algum ressentimento; mas que fazem doer, lá isso…

Também o Pacheco Pereira (que Eduardo Prado Coelho desprezava, e a quem designava por "o pobre Pacheco") aplica cada sarrafada nos lombos de Passos e sua gente, que dá que pensar. É claro que o Pacheco também sofre de mal do ressentido, e o seu despeito chega a ser ridículo - mas as coisas e os actos são o que são. Nada a fazer.

A frase oficial "estamos no bom caminho" não é só um ludíbrio como insultuosa. Estamos no bom caminho de quê? Do precipício, como tudo indica? Ninguém, do Governo, nos explica, nos esclarece, nos ilumina. A tese do "empobrecimento" tornou-se num parágrafo (sinistro parágrafo) do breviário neoliberal, de que Passos Coelho e os seus são cegos defensores. Anteontem, a Direcção-Geral do Orçamento informou que o défice do Estado, nos primeiros quatro meses deste ano, apresentou um saldo negativo de três mil milhões de euros, um aumento substancial, que se avoluma mensalmente, sem que seja travado. O Governo demonstra uma desorientação apavorante.

Quando é que isto termina?

Apostila - Acabo de ler, detidamente, o belíssimo livro de narrativas "O Tempo Envelhece Depressa", o último editado pela Dom Quixote depois da morte de Antonio Tabucchi. É um texto vário e extremamente fascinante, uma reflexão sobre o acto de viver e as responsabilidades daí decorrentes. Não conheço, na literatura europeia actual, um autor que consiga criar uma atmosfera tão densa e, até, misteriosa, como Tabucchi. Tenho seguido a sua obra desde "A Mulher de Porto Pim", e considero "O Fio do Horizonte" (que permitiu um belíssimo filme de Fernando Lopes) e "Nocturno Indiano" do melhor que a literatura tem produzido. Tabucchi nunca abdicou da condição cívica e, dezenas de vezes, escreveu artigos severíssimos acerca da questão italiana, zurzindo, implacavelmente, Berlusconi e o que ele considerava ser "uma quadrilha de gente indigna." Um extraordinário escritor e um inesquecível europeu. Hei-de, um dia destes, contar as circunstâncias em que nos conhecemos e trocámos livros.


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