segunda-feira, 21 de maio de 2012

Violências do desemprego



Por Carvalho da Silva, no jornal «JN»


A revista Economia Pura (fev. 1999) publicou um artigo de Amartya Sen onde este enuncia várias penalizações do desemprego. É de enorme atualidade esse enunciado, pois as violências que recaem sobre os de-sempregados não diminuíram.
O primeiro-ministro (PM) ao afirmar "despedir-se ou ser despedido não tem de ser um estigma, tem de representar também uma oportunidade para mudar de vida, tem de representar uma livre escolha também, uma mobilidade da própria sociedade", mostrou quão balofo é o seu conceito de modernidade e a conceção neoliberal que está inculcada no seu pensamento, demonstrou ausência de vida vivida e de dimensão cultural.
Perante os dados do desemprego relativos ao final do primeiro trimestre - 819 300 desempregados, mais de um milhão e 200 mil de-sempregados e subempregados, uma taxa de desemprego de 36,2% nos jovens até aos 25 anos - o PM não foi capaz de encarar o problema e dizer algo de sensato e responsável. A sua postura de "boa pessoa" e "homem educado" não o torna menos perigoso na condução do governo do país!
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) agendou para a Conferência Anual que se inicia no próximo dia 1 de junho, o tema "A crise do emprego jovem: tempo de agir", porque este grave problema está a tomar "proporções sem precedentes" em resultado da atual crise e da "crise antes da crise", ou seja, da desregulação do mercado de trabalho, da precarização generalizada, da rutura de solidariedade entre gerações, e das políticas de austeridade e empobrecimento em curso.
No artigo atrás referido, Amartya Sen identifica dez (10) "penalizações de um desemprego massivo, para além do fraco rendimento". São elas:
"Perda de produção e peso fiscal", pois o desemprego não só desperdiça poder produtivo, como agrava os gastos do Estado. O desempregado é afetado nos seus rendimentos e afeta os rendimentos dos outros;
"Perda de liberdade e exclusão social", porque o desempregado empobrece e a pobreza gera fortes perdas de liberdade. E, como diz Sen, "o desemprego pode ser a maior causa na predisposição das pessoas à exclusão social";
"Perda de qualificações e danos de longo prazo", em resultado de ausência de práticas de trabalho que rapidamente destrói competências, capacidades cognitivas e confiança;
"Danos psicológicos" como consequência do sofrimento provocado pela diminuição dos rendimentos, da perda de respeito próprio e "da depressão associada a estar dependente e sentir-se rejeitado e improdutivo";
"Saúde doente e mortalidade", como se pode confirmar através da emergência de doenças graves e do aumento de suicídios. Adoece-se perante a dureza das dificuldades e a perda de esperança;
"Perda de motivação e trabalho futuro", dado que o prolongamento na situação de desemprego gera enfraquecimento de motivação e desadaptação a novas situações de trabalho;
"Perda de relações humanas e vida familiar", porque o desemprego gera um abaixamento acelerado do patamar de relações sociais, crises de identidade e privações muito sérias na vida pessoal e familiar;
"Desigualdade racial e de género", como podemos observar pela consulta de dados estatísticos ou pelo ressurgir de propostas políticas xenófobas e racistas na Europa e em Portugal;
"Perda de valores sociais e responsabilidade", em decorrência da privação material, da quebra da autoconfiança e de responsabilidade face a um sentimento de injustiça sentido perante uma sociedade que não oferece oportunidades para uma vida honesta;
"Inflexibilidade organizacional e conservantismo técnico", pois o desemprego generalizado provoca ausência de perspetivas, maior resistência à mudança e um acentuar de velhas soluções (redução de salários, aumento dos horários de trabalho, desregulação laboral) inimigas da evolução, da inovação e da organização. Não há, assim, "empreendedorismo" que vingue!
A OIT constata que aquilo que os jovens sentem - a oportunidade que lhes é oferecida pelas políticas de Passos Coelho e seus pares - é "marginalização e exclusão económica e social".
O desemprego em grande escala é uma enorme ameaça à coesão social, tolhe o futuro, nega a liberdade, a democracia e o desenvolvimento.

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