quinta-feira, 8 de setembro de 2011

O menino que não dorme!

Por Francisco Queirós, no Diário as Beiras

O bicho-papão, o homem ou o velho do saco, o lobo mau e outros figurões fazem parte do imaginário infantil. Mas também, pois claro, do imaginário político. Ou não fosse este impregnado em abastança de emoções e superstições. Passos Coelho provou-o quando no passado domingo nas Festas do Povo, em Campo Maior, profetizou a hecatombe ou o advento do tumulto. Também no domingo muitos, mas mesmo muitos, milhares de portugueses clamavam na Atalaia, na Festa do Avante, que é possível um país diferente. E entre música, arte e convívio exigiram outras políticas.

Onde pára o “tumulto” de Campo Maior? O que anda a ver Coelho? Quem quer amedrontar? O medo é profundamente atávico e efervesce em períodos de crise. Há muito que está inscrito no mapa genético deste povo. A par de outros genes, uns mais positivos outros nem tanto. A saudade, a solidariedade, a festa, o sofrimento e outros mais. Mas o medo anda por cá, mais afoito umas vezes, mais amedrontado noutras. Ou não fôssemos (também) um país de inquisições, com santos padres devotos torturadores, cães do Senhor. Ou não fôssemos um país de capatazes e feitores, serviçais dilectos e delatores e de “pides” de várias estirpes. Fomos, somos isso, mas muito também outras coisas, felizmente. Passos Coelho sabe o que o medo vale. E vai daí saca do bicho-papão. Uh, uh! Os homens do saco a incendiarem as ruas, os velhinhos em fila para receberem a injecçãozinha atrás da orelha, o lobo mau que era pedófilo, mas pobre, atrás da inocente menina do capuchinho vermelho (a cor não é a mais indicada!). Uh, que medo! “Em Portugal, há direito de manifestação, há direito à greve. São direitos que estão consagrados na Constituição e que têm merecido (têm merecido?!) consenso alargado em Portugal. Mas não confundiremos o exercício dessas liberdades com aqueles que pensam que podem incendiar as ruas e ajudar a queimar Portugal.” O país a arder! O tumulto, a vandalização das ruas, das casas. O pânico, a barbárie! Uh, que medo! E Portas logo dois dias depois em directo da Madeira para toda a Nação prossegue a cantilena. Vêm aí as greves! E a “onda de greves sistemáticas terá como consequência um maior empobrecimento do país”. O país está como está devido às greves e às manifestações, não será? Protestem e vão ver como elas mordem – parece ser a mensagem, a par de outra: isto está mal, mas se ainda fazem greves e manifestações fica pior e a culpa é desses arruaceiros. “Os acordos sociais tornam as dificuldades mais equitativas”, acrescentou Paulo Portas. E não o tumulto. A equidade advém da humilíssima resignação. Aceitemos a pobreza generalizada, a miséria quase colectiva, o dever de não ter direitos a coisa nenhuma, mesmo os que por erro histórico ainda estão consagrados na Constituição! Assumamos o sacrifício e a tristeza e seremos felizes! Ai de nós se o não fizermos! “Vai-te papão, vai-te embora/ de cima desse telhado, / deixa dormir o menino/ um soninho descansado”. Mas o endiabrado do menino que não dorme!

2 comentários: