sexta-feira, 18 de julho de 2014

Caldo entornado

Por Aurélio Santos, no jornal «Avante!»
Consta que o velho Ford um dia irritado com as reivindicações dos seus trabalhadores ameaçou que os despediria e os substituiria por máquinas.
Um sindicalista não resistiu e respondeu: – o senhor vai então ter outro problema para resolver que é descobrir como vai vender os seus carros às máquinas.
Verdade ou não, o facto é que Henry Ford defendia que os seus trabalhadores deveriam ganhar o suficiente para poder comprar os carros que ele próprio vendia.
Chegados à década de 80 um actor de 2.ª categoria, Ronald Reagan, a Sra. Thatcher e o seu inestimável mentor, o economista liberal Friedmam descobriram o ovo de colombo – «não era preciso continuar a pagar aos trabalhadores o suficiente para consumirem, bastava pagar-lhes o necessário para que estes pagassem as prestações do que iriam passar a consumir a crédito».
A massificação do crédito permitia por um lado comprimir mais facilmente os salários e por outro desviar uma parte desses mesmos salários para o sacrossanto império do capital financeiro, que através dos juros dos empréstimos abocanhava uma generosa fatia desses salários.

Trinta anos volvidos o resultado está à vista – gigantescas dívidas públicas e privadas impossíveis de pagar.
Diria o bom senso que se arrepiasse caminho. Mas não, tratou-se a doença com o veneno que a provocou. Anda-se perigosamente a apagar o fogo com gasolina.
Manteve-se a política do laissez-faire, laisse-passer, ou seja a ausência de regulamentação do sector bancário.
O argumento invocado para privatizar tudo e mais alguma coisa foi sempre o de que o Estado era mau gestor e de que as gestões privadas eram mais eficazes.
As virtuosas gestões privadas estão aí – BPP, BPN, BCP, BANIF e, agora BES.
O BES conseguiu num só dia fazer pior ao País do que todas as decisões tomadas pelo Tribunal Constitucional durante estes três anos que, apesar de todos os papões agitados pelo Sr. Primeiro-Ministro, até ajudaram a economia.
Há alguns meses Durão Barroso disse sobre uma decisão do Tribunal Constitucional que tínhamos o caldo entornado. Enganou-se na altura, agora é que «a nata da aristocracia financeira portuguesa» entornou mesmo o caldo.

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