Por Henrique Custódio, no jornal «Avante!»
Enquanto António José Seguro adia, à outrance, a convocação de um congresso extraordinário para dirimir a liderança do PS, Pedro Passos Coelho entrou num frenesim inaugurativo a pedir meças a João Jardim.
Só nos passados sexta e sábado o homem presidiu a«várias inaugurações em Boticas, distrito de Vila Real», esteve na «Expo de Trás-os-Montes» (sic), tutelou «o congresso das Misericórdias» e ainda teve tempo de ir a Bragança, invariavelmente em pose de Estado, com televisões à trela e imenso para inaugurar ou brunir com a sua alta presença.
Não sabemos se alcançou Jardim inaugurando a mesma torneira duas vezes (as reportagens e os «directos» foram omissos), mas talvez isso não tenha importância, porque Passos não perdeu a oportunidade para mimosear o País e as suas instituições com mais uns opróbrios em alta prosódia.
Comentando os esperados «chumbos» do Tribunal Constitucional a várias normas do OE enviadas pelo PCP e PS por inconstitucionalidade, o chanceler confessou que a decisão o deixou «profundamente preocupado», mas«respeitando as decisões dos tribunais, não deixaremos, na altura própria, de dizer ao País como é que ultrapassaremos esta enorme adversidade». Para rematar, informou que «eu nunca deixarei que decisões que me parecem incompreensíveis possam deitar tudo a perder nos esforços que fizemos até aqui».
Este plural «fizemos» não é majestático, mas apenas mentiroso – o homem queria mesmo fingir que ele e o seu Governo também andavam a amargar com os cortes que, notoriamente, nunca os atingiram. Mas adiante.
Atente-se que Passos afirma, primeiro, uma atitude –«respeitando as decisões dos tribunais» – e de seguida um projecto – dizer ao País «como é que ultrapassaremos esta enorme adversidade». Portanto, embora «respeitando as decisões dos tribunais», considera-as «uma enorme adversidade».
A sua indiferença pelo Tribunal Constitucional vai ao extremo de garantir que «nunca deixarei» que decisões do TC que lhe «parecem incompreensíveis» deitem a perder «os esforços que fizemos até hoje».
Ou seja, o primeiro-ministro olha para as decisões do TC como coisas que lhe «parecem incompreensíveis» e, como tal, ele «nunca deixará» que deitem a perder «os esforços que fizemos».
O homem despreza o cargo que ocupa, ignora os poderes e as limitações que lhes estão constituídas, vilipendia o regime democrático e constitucional em que vivemos, governa como se não existissem leis e limites, mas apenas o seu voluntarismo e a sua vontade, instrumentaliza as regras do funcionamento do nosso Estado democrático-constitucional apenas para garantir o controle dos mecanismos do poder, actua como um ditador perfumado em lavanda democrática e tem da democracia constitucional a visão de um soba que teve umas luzes do assunto numas visitas à capital do império.
Enfim, o homem não se enxerga.
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