Com todo o respeito pelos
militares que usam os tanques para defender direitos dos povos, a verdade é que
sempre ouvi dizer que o voto é a arma do povo. Reflectir sobre isto levava-nos
muito longe porque sabemos que os votos, traduzindo em tese os desejos e
vontades dos que os depositam nas urnas, são usados muitas vezes – e cada vez
mais pelo mundo fora – para deturpar as esperanças dos que ainda acreditam que
a democracia é o veículo capaz de garantir uma governação à medida das
maiorias.
Deixemo-nos de ilusões. Há muito
que os senhores do dinheiro e os seus aios políticos da governação bipolar
aprenderam a fazer com que a democracia formal seja a mais indolor das
ditaduras para levar as pessoas a acreditar que escolheram uma coisa mas as
circunstâncias, as crises e coisas correlativas não permitem que se cumpra,
para já, a sua vontade, ficando para melhores dias desde que se sujeitem a
fazer os indispensáveis sacrifícios.
Quando se “escreve pelo mundo
fora” a propósito dos desejos e vontades podemos deter-nos, por exemplo, na
Ucrânia. Talvez estejamos ali perante o admirável mundo novo, a magia de uma
democracia onde tudo o que vemos é virtual. Existiam um governo e um presidente
eleitos – que pelos vistos não eram grandes peças, mas olhemos o cenário de Lisboa
a Berlim e tentemos perceber onde estão as diferenças – que foram derrubados
por um golpe de Estado. Então esse golpe de Estado impôs a democracia
instaurando um governo e um presidente não eleitos sustentados por um aparelho
policial e militar governado por fascistas confessos. Todos os países e uniões
onde se faz doutrina sobre quem pratica ou não a democracia proclamaram que a
situação em Kiev estava nos conformes e todos os que se lhe opõem, falando
língua diferente ou pensando de outra maneira, estão imbuídos de tentações
ditatoriais e ao serviço de uma potência com vocação para pária.
Acontece que nas regiões
inconformadas houve quem, perante canhões e arbitrariedades, decidisse recorrer
ao voto dos cidadãos, escolhendo-o como uma arma para fazer frente às armas de
fogo.
Então as democracias clamaram que
tal ideia de referendar o direito à diferença, a uma opinião e língua própria
dentro do mesmo país, era “ilegítima”, ilegal” porque contrariava um direito
democrático nascido de golpe de Estado e imposto na ponta de espingardas
empunhada por fascistas.
Ao ver as coisas desta maneira se
calhar a culpa é minha, não fui suficientemente expedito para acompanhar a
evolução ultrassónica da democracia mercantil. Enfim, vocês dirão, mas a minha
sensação é a de que os votos se aceitam como coisas decentes quando a sua soma
serve os que estão vocacionados para governar; se assim não for, corrige-se o
desvio chamando os tanques e até, se for preciso, uns mercenários estrangeiros.
De uma penada corrige-se a democracia e reanima-se a economia com reforço de
produtividade e emprego. Abençoada criatividade.
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