No Serviço Europeu de Acção
Externa (SEAE) soam “sinais de alarme por todos os lados” a uma semana das
eleições europeias. “Aqui ninguém se entende, ninguém sabe qual é o rumo, as
decisões e contra-decisões sucedem-se”, alerta um alto funcionário do Serviço.
“A União Europeia não tem política externa própria numa fase em que a Europa e
a Ásia estão em ebulição”; a alta
representante Ashton é “um barco à deriva”, acrescentou.
O sentido mais correcto da
tradução da definição do comportamento da baronesa Catherine Ashton pelo nosso
interlocutor seria “barata tonta”. Trocámos impressões em várias línguas e ele
achou que a ideia de “barco à deriva” seria “mais universal”.
“Repare só nos acontecimentos dos
últimos dias, e não vou enumerá-los todos: a Rússia diz que tem respostas para
as sanções e numa semana desbloqueia um negócio da China com a China, em
discussão há 10 anos, que Putin vai assinar agora a Xangai e garante o
fornecimento de gás natural russo por 30 anos; os americanos animam a vocação
militarista japonesa e protestos anti chineses em várias ilhas enquanto Putin
responde à imprensa de Xangai garantindo que as relações entre a China e a
Rússia ‘nunca estiveram num ponto tão alto’; o ministro russo dos Estrangeiros
desafia a NATO, diz que as relações com a aliança têm de ser revistas e num
ápice desfaz um dos argumentos dos americanos para militarizar a Ucrânia e
retira as tropas das fronteiras deste país dando como terminados os exercícios
que estava a realizar. E o que faz a Europa perante tudo isto?” – interroga-se
o alto funcionário.
“Antes fosse nada!” – exclamou,
prevendo que fôssemos responder nada sem que nada tenhamos dito. O diálogo
transformara-se em monólogo e em monólogo continuou.
“A Europa em vez de ter voz
própria fica sempre à espera do que fazem os americanos e quando toma qualquer
atitude que podia ser exclusiva abre guerras dentro de si própria. Agora o
ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, o social democrata Steinmeier, diz
que já chega de sanções à Rússia, novas penalidades serão ainda mais graves
para a Europa; ora em todos os cantos de Berlim se sabe que ele faz eco dos
homens de negócios alemães que estão muito bem com Moscovo como Moscovo está e
não gastam um euro com estes dirigentes que estão agora em Kiev”. Em Bruxelas,
prossegue o alto funcionário, “em vez de se procurar uma saída que passe por
negociações sérias na Ucrânia e com a Rússia, como propôs o ministro alemão,
vira-se uma grande irritação contra ele por ter dito o que disse. E há logo
quem venha atear achas lembrando que ‘Alemanha por Alemanha’, Merkel tem o seu
candidato para chefiar a Ucrânia enquanto outra parte da Europa e os americanos
têm outro, o que lá está”.
O nosso interlocutor calou-se. No
restaurante de uma cidade belga onde nos encontrávamos entrou uma funcionária
do Conselho Europeu, de todos conhecida e que chegou um pouco atrasada ao
encontro programado. Inteirou-se do assunto da conversa e, no seguimento de
outras confissões anteriores que fizera sobre o mesmo contexto, repetiu que
“está pelos cabelos com esta gente, mas infelizmente as eleições não prometem
coisa melhor”. Introduziu então uma variante do tema.
“O debate dos candidatos a
presidentes da Comissão Europeia foi um conjunto vazio em política externa da
União, como se tudo estivesse bem assim nas mãos dos americanos e da NATO”,
disse. “Estou a falar dos que podem ser escolhidos – ainda não admito que isto
seja uma eleição, nem mesmo indirecta – o alemão social democrata Martin
Schultz e o candidato da senhora Merkel, Jean-Claude Juncker. O facto é que
eles são gémeos, querem a mesma coisa e se algum está mais próximo dos tipos
sem remédio que apoiamos naquela confusão armada na Ucrânia ainda é o Schultz.
O alemão dos liberais, Verhofstad, vive neste desgraçado planeta económico e ao
mesmo tempo num planeta federalista que
só o telescópio dele alcança; a verde oficial, Ska Keller, é mais do mesmo,
belos discursos de propaganda, cheios de idealismos, mas ainda há quem tenha na
memória o papel governamental de Joshka Fisher, mais general que os generais
nas guerras da antiga Jugoslávia. O grego Tsipras, na esquerda, é um pouco de
ar fresco, pode abalar e motivar quem o ouve mas os media anulam-no quando
querem”.
O alto funcionário do Serviço de
Acção Externa retomou o tema Ucrânia
para exemplificar “a inépcia de Bruxelas”. Agora, diz, “com toda a pressa de
fazer com que as eleições presidenciais pareçam uma coisa séria inventaram um
processo de negociações em que fizeram de oligarcas corruptos, e alguns até
sanguinários, interlocutores em representação do Leste enquanto aceitam que se
mantenha aquela guerra no Leste. Ao mesmo tempo Bruxelas continua a fazer de
conta que não percebeu e não tem provas de que a matança de Odessa em 2 de Maio
foi um assustador pogrom fascista.”
O alto funcionário do Serviço de
Acção Externa já tinha anunciado que nos deixaria mais cedo na conversa porque
ia partir para Lisboa “ao encontro do futebol”. Não é “que os bastidores sejam
muito mais saudáveis”, disse, “mas aí não tenho responsabilidades, distraio-me,
para variar vejo profissionais competentes a fazer coisas admiráveis e
esqueço-me do fiasco que é esta Europa, que consegue a baixa proeza de fazer
mal às pessoas mesmo não existindo”.
José Goulão e Pilar Camacho,
Bruxelas
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