quinta-feira, 24 de abril de 2014

Na senda de Calígula

Por Aurélio Santos, no jornal «Avante!»

«Roma locuta causa finita» (Roma falou questão encerrada)

Foi assim que o secretário de Estado da Administração Pública rematou no Parlamento a explicação do que tinha dito dias antes sobre os cortes nas pensões. Triste figura a do sr. secretário de Estado assumindo publicamente o papel de moço de recados, desdito pelos seus pares, quando afinal a notícia até era verdadeira.
E Roma «locuta» de novo através de entrevista de Passos Coelho na televisão.
A vacuidade da entrevista foi mais um pesado sacrifício imposto a quem a ouviu. Pelo muito que não disse ficamos a saber que os dois milhões e meio de pobres não tiram o sono ao Primeiro-ministro, que as 181 mil famílias em risco de perder a habitação são uma questão menor, que os dois milhões de desempregados são um dano colateral, e a descida do défice, supremo e único fim da governação, valem bem as 120 mil crianças com fome!
Afinal a História vai-se por vezes repetindo trazendo-nos novos, cruéis e perversos Calígulas que do alto da sua douta ignorância e flagrante incompetência semeiam a desgraça e destroem os povos. Convicto do seu insubstituível papel de timoneiro, de um barco feito de tormentas para muitos mas arauto de muitas boas novas para alguns (os ditos mercados), nem sequer percebe que felizmente cada vez mais o barco mete água, porque o povo está farto e, se tivesse a modéstia de olhar para baixo perceberia que já tem os pés molhados.
O timoneiro não passa afinal de um medíocre e vulgar caixeiro viajante que vende o País a retalho e exporta aquilo que tanto falta nos faz, os nossos jovens.
Estranha coincidência, ou não, também o Calígula do velho império romano espoliou os pobres para fazer face a uma crise económica que ele próprio provocou, também ele espalhou a fome em Roma e gostava de gerar a discórdia e desordem entre o povo.
Calígula acabou muito mal, assassinado pelos seus súbditos que tiveram a coragem de não ter medo, porque quando já se perdeu tudo ou quase tudo acaba inevitavelmente também por se perder o medo.
E em democracia os Calígulas só existem enquanto nós o consentimos.

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