segunda-feira, 29 de julho de 2013

Afinal o que é a crise?

Por Carvalho da Silva, no jornal «JN»

Para o presidente da República (PR), uma crise política assumidamente grave, para a qual propôs como primeira hipótese de solução um "Acordo de Salvação Nacional", deixou de existir desde que, por manobras internas, da União Europeia e da troika e por malabarismos seus, garantiu a permanência da direita que integra e promove no poder, nele mantendo e reforçando a sociedade portuguesa (lusa e não só) de negócios.

Ficou assegurado, por agora, que os credores podem continuar a espremer-nos, que se vão manter abertas as torneiras dos cofres do Estado que alimentam as swaps e outras negociatas, que os processos de privatização dos CTT, da Caixa Geral de Depósitos e de algumas "miudezas" públicas que ainda nos restam, serão acelerados. Será aumentado o desemprego, a destruição de pequenas empresas prosseguirá enquanto surgirão folgas significativas para os grandes grupos, a dimensão social do Estado continuará a enfraquecer-se.

Ao mesmo tempo o PR agiu, ardilosamente, de forma a acentuar o descrédito no exercício democrático da política e distanciou o povo do direito de intervir para discutir e decidir, em tempo útil, sobre o seu futuro. Este PR parece disposto a fazer tudo o que estiver ao seu alcance para que o povo conduza a água a moinho errado.

Cavaco Silva não quer entendimentos dos partidos para se sair destas desastrosas políticas que vêm sendo prosseguidas. Os entendimentos que reclama são para submeter os portugueses e o país. É por tudo isto que o atual PR - que afinal é ator bem ativo da governação e até inventou uma nova forma de Governo de iniciativa presidencial - significa um dos maiores desastres políticos da nossa democracia.


A crise que vivemos, "instituição" criada para impor um brutal retrocesso na vida de milhões de seres humanos, foi e é, antes do mais, um complexo sarilho causado pela finança internacional e por quem a colocou em rédea solta, para facilitar roubos e lavagem de dinheiro. Foi e é, um regabofe de dívida bancária transformada em dívida pública e uma dívida pública tóxica a queimar as mãos dos grandes bancos europeus. Para resolver este problema, os artistas que nos governam no plano europeu e nacional puseram em marcha a arte dos resgates, fazendo passar essa dívida tóxica para as mãos públicas do Fundo Monetário Internacional, dos fundos da União Europeia e do Banco Central Europeu, pois estas são entidades com poder suficiente para subjugar países e povos.

A crise passou a ser também uma oportunidade para as forças neoliberais e retrógradas imporem uma contrarreforma social de grandes proporções: redução dos salários, de pensões e de apoios sociais, regresso à praça de jorna, educação e saúde apenas para quem pode pagar, deixando para os outros, quando muito, políticas de caridade bafienta. Se não estivéssemos numa sociedade de classes e perante a reconfirmação de que a criação de um muito rico impõe sacrifícios a milhões de indivíduos, a crise até parece sofrimento sem sentido. No final, quase ninguém ganhará.

Nestes tempos que vivemos repete-se a constatação de que o poder cega e de que quem o tem prefere muitas vezes, como o Sansão da Bíblia, que morra Sansão desde que morram todos os que aqui estão. O tempo vai passando e as contradições e os erros grosseiros acumulam-se. As decisões políticas são ditadas pelo humor e manipulações dos "mercados". A soberania que era dos estados, dos seus órgãos e instituições e em última instância pertencia aos povos, passou a ser das dívidas - as dívidas soberanas - e os interesses de credores e especuladores definem-se como "interesse nacional".

Observando a composição do Governo e as práticas dos governantes, vemos que as exigências de competência, de rigor, de verdade e de ética para o exercício da governação deixaram de existir. Estas são efetivas expressões de crise que afetam a vida coletiva. O povo em sofrimento, sem esperança e com grandes dificuldades para agir na construção de um projeto coletivo de desenvolvimento; o retrocesso económico, social e cultural; a destruição da democracia, essas sim, são também expressões de crise da sociedade a que é preciso dar resposta.

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