segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Os acidentes acontecem?

Por Carvalho da Silva, no Jornal «JN»


Na passada terça-feira feira foi "notícia" o acidente de trabalho nas obras de ampliação do Mercado do Livramento, em Setúbal, que causou cinco mortos. No mesmo dia, dois operários ficaram gravemente feridos pela queda de uma grua no Laranjeiro, Almada. No dia seguinte, quatro trabalhadores das obras da barragem de Foz Tua foram feridos. Outros acidentes não foram noticiados.

As entidades com obrigações directas e indirectas nas obras expressaram preocupações, mas ninguém assumiu abertamente a responsabilidade. A Autoridade para as Condições de Trabalho, por certo, abriu os respectivos inquéritos para apurar as causas. No final, a principal causa identificada será a humana. Mas, ainda que se apurem responsabilidades individuais, elas acabam por esconder o drama e as responsabilidades colectivas dos acidentes de trabalho.


Quando se chega à conclusão de que muitos acidentes têm causa humana, dever-se-ia ir mais fundo para perceber quais as causas das falhas com causa humana: o tipo de qualificações, de formação e treino; os recursos para agir e resolver os problemas; o sistema de prevenção; as condições precárias do trabalho e das relações de trabalho existentes; as condições para ter uma vida saudável e digna?

Quando ocorre um acidente de trabalho grave é porque falhou um sistema inteiro, é porque não são respeitadas leis e práticas de trabalho com segurança e estabilidade, é porque não se atendeu a repetidos sinais e ocorrências de menor gravidade, que indiciavam múltiplos perigos.

Está comprovado ser mais caro reparar que prevenir. Esta premissa devia ser, de facto, um dos princípios orientadores dos sistemas de organização do trabalho, mas a obsessão pelo lucro fácil e rápido, a pressão dos contratantes sobre quem executa os trabalhos, a secundarização do valor do trabalho e da saúde cilindram aquele princípio.

A OIT sugere que multipliquemos os custos directos dos sinistros por cinco, para nos aproximarmos do valor dos custos indirectos. Entretanto, nesta sociedade capitalista agora em profunda deriva neoliberal é muito "difícil" quantificar os impactos da morte ou incapacitação de um pai, de um filho ou de um amigo trabalhador, ou a perda de uma vida produtiva. De forma criminosa, o sistema considera estas perdas de valor menor!

Há sociedades onde isto não é assim. Por exemplo, na Finlândia, a Saúde Ocupacional ocupa espaço na estratégia de desenvolvimento nacional. Os finlandeses, que conseguiram desenvolver uma economia sólida, preocupam-se em construir uma sociedade que, entre outros valores, privilegia a educação e os resultados do trabalho. Assumem abertamente que investem muito em cada um dos seus cidadãos para poderem ter os retornos que têm.

A legislação sueca, de forte carácter preventivo, parte da afirmação de que hoje existem conhecimento e tecnologia suficientes e disponíveis para que as empresas promovam ambientes de trabalho modernos, seguros, controlados e com resultados económicos vantajosos para a sociedade no seu todo.

A vida no trabalho não pode valer menos do que fora do trabalho!

Com as devidas salvaguardas, um acidente de trabalho mortal devia suscitar o mesmo tipo de reacção que provoca a notícia da morte de uma mãe ou de uma criança numa das nossas maternidades.

Tenhamos presente que, a nível mundial, o número de mortes causado por acidentes de trabalho e doenças profissionais é superior ao total de mortes causadas directamente pelas guerras. E o mesmo se passa quando comparamos o número de trabalhadores que sofrem incapacidades, em resultado de doenças profissionais e acidentes de trabalho, com o total de feridos em guerra.

A violação dos direitos laborais e sociais é ainda mais profunda que a violação dos direitos cívicos e políticos.

A sociedade no seu todo e, em particular, as instituições e a justiça não podem continuar a ser complacentes face às causas e consequências das doenças profissionais e dos acidentes de trabalho!

P.S.: Abordarei este tema noutro artigo sugerindo propostas de acção.

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