segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Este governo existe?

Por Baptista Bastos, no Jornal «negócios»


Desde que há democracia nunca nenhum Governo foi tão cercado, criticado, vilipendiado como este. Nos últimos dias, então, alguns dos mais representativos "senadores" têm manifestado posições extremamente veementes. Ramalho Eanes, Eduardo Catroga, Ângelo Correia, António Vitorino são alguns daqueles que revelam um grande desconforto com o rumo do País. Para não falar no violento artigo de Mário Soares, publicado no "Diário de Notícias" de terça-feira última, que constitui um implacável e justo requisitório contra o Executivo. Além dos movimentos populares e cívicos, demonstrativos de que a inércia das populações é, apenas, aparente.

A Convenção das Alternativas de Esquerda foi outra das indicações de que a sociedade portuguesa está inquieta. Duas mil pessoas reuniram-se e expuseram razões e problemas. Alguns preopinantes da direita mais protozoária estremeceram, irados e confusos. Um deles, que tem aviltado o nome dos pais e de um tio-avô, de quem contrabandeou os apelidos, atinge o paroxismo da infâmia. Gente desta, de idêntica estirpe e igual calibre, sempre apareceu e sempre foi acolhida por uma Imprensa desacreditada e desacreditante. Mas o cavalheiro em questão ultrapassa todas as medidas e tolerâncias. Ainda por cima, não está a perceber nada do que se passa. E o que se passa é o avolumar de uma particular consciência cívica, resultado de um vazio perigoso, a que, lamentavelmente, os partidos não têm conseguido dar resposta.

As televisões entretêm-se a solicitar os serviços de comentadores do óbvio, que não suscitam a reflexão porque se limitam a relatar notícias com mais ou menos adjectivos janotas. Ou, então, produzem programas ditos de humor, que só servem para desviar atenções, quando as há. A "independência" não existe, e quando alguém me diz que é "imparcial" fujo a sete pés.´

Há "comentadores" serenos, plácidos, esganiçados e gesticulantes. Não servem para nada. E, em quase todos eles, esconde-se uma solidão desguarnecida, como a daquela senhora de meia idade, feiota, pequenota e pintadota, desprovida de graça e de grandeza, que se transformou no centro de devastadoras anedotas e se serve dos locais onde junta uns dinheiros para ocultar o seu próprio passado e injuriar quem lhe não reconhece qualquer atributo de sedução. Faz pena assistir ao triste envelhecimento de uma pessoa que nunca foi jovem, e que o deseja ser a todo o custo. Inclusive com o uso desabusado de cores no cabelo. Pena, pena.



Morte de um amigo que nunca desistiu.

A última vez que estivemos juntos foi no velório do Fernando Lopes, amigo dessas noites longínquas no interior das quais sonhávamos todos os sonhos possíveis e impossíveis. Sentámo-nos num banco corrido e conversámos das coisas que nos afectavam. O Aquilino Ribeiro Machado e eu conhecíamo-nos desde os alvoroços da juventude. As nossas namoradas de então tornaram-se nas nossas mulheres. E tanto a Alexandra quanto a Isaura acompanharam-nos nos destinos que havíamos escolhido. Devo dizer que tenho saudades desses tempos. Ter saudades é ter lastro, história e esperança. Um pouco mais velho, o Aquilino frequentava as tertúlias onde paravam os melhores de nós: Manuel de Azevedo, jornalista, grande carácter e corajoso como as armas; Adriano Correia de Oliveira, José Luís Nunes, Manuel da Fonseca, Manuel Ruas, António Huret Escudeiro, outros. O Vavá era o último reduto da noite, e a noite existia para a passearmos. O Aquilino, um rapaz sensato, detentor de imensa cultura, antifascista que se envolveu, naturalmente, nas grandes lutas da época. Sempre recatado, sempre com aquele triste sorriso que lhe emoldurava o rosto. Lera tudo e sabia tudo o que era necessário saber. Os nossos amigos e parceiros de então, Carlos de Oliveira, Mário Dionísio, João José Cochofel, Augusto Abelaira, Fernando Lopes-Graça, representavam os exemplos que desejávamos seguir. O Aquilino era, da geração mais nova, o mais apetrechado, política e culturalmente. Gostava muito deste homem singular, e da família que ele e a Alexandra tinham construído: filhos, filhas e netos educados nesse almofariz de dignidade, de decência e de honra que parece desaparecido da sociedade portuguesa. Soube da morte do amigo antigo por uma breve notícia de televisão. Quando morre um homem desta estatura moral, as referências deviam ser maiores pela exemplaridade do sujeito. Mas a ignorância não é apenas ignorância: é tola. Uma parte da minha juventude também foi parte da juventude dele. Adeus.

Sem comentários:

Enviar um comentário