segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Não há dinheiro?

Por Carvalho da Silva, no «JN» em  2012-09-22
O Governo impõe cortes nos salários, nas pensões de reforma, na proteção dos desempregados, na saúde, no ensino, na proteção social em geral, sempre com a invocação da falta de dinheiro. Aumentam os impostos, deixam morrer empregos, não há investimento, sempre sob a tese de que não há dinheiro.
Há dinheiro e muito! No plano europeu e mundial há tanto dinheiro disponível que até dá para comprarem dívida pública soberana de países a juros negativos, como fazem com a Alemanha. E existem aquisições de outros produtos financeiros privados feitos da mesma forma.
Nos offshores, nos capitais de grandes grupos económicos, em grandes clubes de futebol e noutras grandes agremiações de vária origem, e até em "prestigiadas" instituições filantrópicas, movimentam-se impunemente e fugindo ao fisco volumes impressionantes de dinheiro.
A criminalidade económica germinou com força na Europa, os governos dão-lhe cobertura e estão cada vez mais degradados os processos de controle e combate. A Europa, incluindo o espaço da União Europeia, tornou-se o maior centro de lavagem de dinheiro do mundo. A chamada democratização de vários países do Leste Europeu deu um triste contributo a este escabroso processo. Mas não há diferença de práticas entre os países do Leste, do Centro ou do Ocidente europeu.
Por outro lado, a economia paralela e seus sucedâneos movimentam, só em Portugal, 43 mil milhões de euros que fogem ao fisco.
Entretanto vem a troica, o governo externo a que estamos sujeitos e, em nome dos interesses dos nossos credores, alguns metidos até à medula naqueles processos, faz-nos um empréstimo a juros elevados que se destina apenas a dois objetivos: Portugal pagar aos seus credores internacionais; recapitalizar a banca. Não há qualquer disponibilização de verbas para o país promover investimento, criar emprego, desenvolver-se. Isto é inconcebível!
Porque não se discute uma utilização útil, racional, que permita investimento público e privado a partir dos milhares de milhões de euros destinados à banca, que até agora não têm utilização? O dinheiro está a ser guardado para ir tapar novos buracos provocados por apropriação exagerada de lucros ou por roubos tipo BPN?
E o que se passa com a utilização do dinheiro do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN)?
Quem analisa a gestão do QREN constata fundamentalmente quatro coisas: I) a reprogramação feita é orientada para substituir financiamento público nacional por financiamento comunitário, só com o objetivo de reduzir a despesa; II) o ajustamento estrutural anunciado nessa reprogramação não é mais do que um processo de destruição de atividades produtivas e emprego, de redução de despesa em áreas como a educação/formação e a ciência; III) imperam objetivos imediatos, em geral perniciosos, e não existe nenhum debate político estratégico sobre como rentabilizar os recursos, quando todas as aprovações de projetos têm de ser feitas em 2013; IV) estão por utilizar mais de 10 mil milhões de euros.
Os fundos disponíveis do QREN têm de ser aproveitados para investimento produtivo, para dinamizar as atividades económicas geradoras de emprego e colmatar défices estruturais da economia.
Todos sabemos que o principal problema da maior parte das empresas é a falta de liquidez e que os bancos hoje têm como objetivo cumprir os rácios de capital e não fornecer crédito à economia.
É preciso forçar os bancos privados a usar os recursos disponíveis, ou então negociar com a troica o acesso da CGD (banco público) a esses fundos existentes, para que a Caixa possa geri-los em favor da economia.
Sem investimento não há criação de emprego, sem emprego não há procura, sem procura não há retorno, sem retorno não há investimento. Há que romper com este ciclo vicioso de empobrecimento e miséria e contrapor o ciclo virtuoso de investir, criar emprego, melhorar os rendimentos das pessoas. Isso pode fazer-se com opções políticas de boa utilização do dinheiro existente e com um governo que mereça confiança e mobilize os portugueses.

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