quinta-feira, 28 de março de 2013

O "fim de festa"

Por Carvalho da Silva, no Jornal «JN»

Nos últimos tempos é bem visível um frenesim do Governo na implementação de contra-reformas em várias áreas. Assiste-se a um apodrecimento acelerado da governação que se mistura com expressões de desagregação da situação política, em resultado da imposição, no plano nacional e europeu, de políticas injustas, criminosas numa perspetiva de desenvolvimento das sociedades.
Tomo aqui o exemplo da atuação do ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato. Quem acompanhou o seu percurso é conduzido a perguntar: este senhor ensandeceu?
Nesta semana disse, sorridente, que o exame do 4.º ano do Ensino Básico (antiga 4.ª classe), feito em outra escola, ou na sede do agrupamento escolar respetivo, com acompanhamento de professores desconhecidos, "não é pressão nenhuma" para as crianças. E acrescentou "qual o problema de um aluno estar numa escola e fazer uma prova noutra?".
Uma das recordações de maior sofrimento da minha infância é a da prestação de provas na 4.ª classe. Vêm-me à memória o medo do contexto em que estava, os nervos num espaço com imensos fatores desconhecidos. Levantar-me mais cedo para percorrer os quilómetros que distanciavam a escola da minha aldeia daquela onde fui fazer o exame, aqueles professores vistos por mim como "autoridade" nova e pretensamente mais exigente, o receio de falhar apesar de ser bom aluno, a incompatibilidade da roupa nova que os meus pais compraram para esse dia e as dores provocadas pelas botas novas depois da longa e demorada caminhada.
Esse tempo está longe, mas Crato, na sua modernidade, é para aí que nos quer encaminhar, ao colocar de novo os alunos num ambiente estranho e alheio ao do seu quotidiano, obrigando muitas crianças a grandes deslocações. Tenho uma filha, aluna numa excelente escola pública, que por certo fará o exame com êxito, mas revolta-me os pressupostos de que as crianças não dão importância e sentido de responsabilidade aos testes e provas do mesmo tipo que vão fazendo durante os anos e em particular neste, revolta-me a grande suspeita sobre a competência, a ética e a deontologia profissional dos docentes destes alunos, para além de constatar que a criação de todo um cenário bacoco, pretensamente ligado à evolução da qualidade do ensino e das aprendizagens, pouco ou nada terá de verdade. Será que isto é um pequeno contributo para no futuro se impor bem cedo um ensino dualista e elitista?
Ainda deste ministério veio, também estes dias, a confirmação de que os professores vão ser sujeitos à aplicação da mobilidade especial, facto que mostra que o ministro andou a mentir e que os professores vão ser indignamente tratados.
O país está sujeito a um profundo retrocesso social e civilizacional. Isso tem associado a degradação da escola, do ensino e da formação, da saúde, da proteção social, da segurança pública, dos papéis das mais diversas instituições, desde a militar à justiça.
Os nossos governantes agem hoje num frenesim de governação "em fim de festa". Entretanto, o conjunto das contra-reformas em curso limitarão muito a ação de um novo governo que queira iniciar o combate às desigualdades, às injustiças e à pobreza, e encetar um caminho de progresso e futuro para os portugueses.
Deixo a terminar quatro considerações que me parecem primordiais nestas semanas que estamos vivendo:
i. devemos discutir seriamente as implicações da situação em que estamos e prepararmo-nos para um possível endurecimento das condições impostas pela Alemanha e seus aliados a países em dificuldades;
ii. os povos de cada um desses países têm de assumir um ato de desobediência face a essa atitude ignóbil e exigirem que sejam bem utilizadas as instituições e Constituições dos países (como é o caso de Portugal) porque estas podem ser ancoradouros fortes e eficazes na resposta a essas imposições externas insensatas;
iii. precisamos rapidamente de um novo governo mas não haverá soluções positivas suportadas no tradicional centrão político;
iv. os problemas políticos e sociais com que Portugal se defronta têm uma proporção talvez não inferior (em contexto diferente) àqueles com que nos deparamos após o 25 de Abril. Isto implica dos democratas, muito em particular das forças de Esquerda, posturas novas, dinâmicas e urgentes, de efetiva alternativa e de forte sentido de responsabilidade.

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