segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Regabofe

Por Carvalho da Silva, no Jornal «JN»



Do já bastante dissecado discurso de Passos Coelho, feito no Pontal, tomo hoje para reflexão duas afirmações que merecem análise mais atenta. Disse o primeiro-ministro (PM) que "há ainda quem pense que depois deste ínterim o regabofe pode voltar", quem pense "que cumprido este aperto, cumpridas estas formalidades" será possível "voltar ao que era dantes" e "dar subsídios indiscriminadamente". Afirmou também que os portugueses não podem voltar a "fazer bonitos com dinheiro que não era seu" e consumir sem prestar contas.

Estas afirmações são ardilosas, pensadas para sensibilizar consciências e ganhar apoios. Como o discurso foi feito no Algarve, é oportuno trazer aqui uma quadra muito esclarecedora do poeta algarvio António Aleixo: "Para a mentira ser segura e atingir profundidade, tem de trazer à mistura qualquer coisa de verdade".

O que está na mente e na prática política de Passos Coelho e seus pares, quanto ao conceito regabofe?

Será o enriquecimento fácil, feito através da especulação financeira, que colocou como referências de êxito na sociedade os Berardos deste país? São os processos de compadrio e corrupção desenvolvidos pelo centrão de poderes, com profundas promiscuidades entre os interesses públicos e os privados, que propiciaram as fortunas dos Loureiros e Limas da nossa desgraça? São as facilidades aos grandes detentores de ações da Banca ou de grupos económicos (e seus gestores) garantindo-lhes margens de lucro fabulosas e dispensando-os do devido contributo para o Orçamento do Estado? Serão os roubos organizados que consubstanciaram "empreendimentos" de êxito como o BPN? Será a fácil apropriação privada dos recursos que eram do povo português, como aconteceu com parte dos fundos comunitários? Será a venda a desbarato de capacidades produtivas do país em negócios de ocasião, propiciados a "empresários" sem qualquer empenho no desenvolvimento do país, ou a entrega das empresas públicas em processos de privatização prejudiciais ao desenvolvimento do país?

Não!


Quem fez bonitos com dinheiro que não era seu? Quem desviou milhões e milhões e não presta contas?

Basta observar as políticas seguidas e sabemos o que está na mente do PM. Em nome do combate ao regabofe está uma política de redução de salários e de pensões de reforma; de destruição de emprego e de aumento do desemprego; de ataque ao direito ao trabalho e ao trabalho com direitos; de redução acelerada do acesso ao subsídio de desemprego ou a proteção social mínima; de pôr fim a recursos e valências dos hospitais e centros de saúde, diminuindo perigosamente a oferta de cuidados de saúde; de introdução de um dualismo perigoso e reacionário nos percursos escolares dos nossos jovens, a coberto de propaganda enganosa sobre as políticas educativas.

O duro dia a dia da maioria dos portugueses e portuguesas mostra-nos à exaustão que, para Passos Coelho, combate ao regabofe significa tentar eliminar o Estado Social, os direitos sociais e direitos cívicos fundamentais. Significa práticas governativas de desrespeito das leis e da Constituição da República nas áreas do trabalho, da educação, da saúde, da organização económica e social.

As políticas do atual Governo têm como objetivo o empobrecimento e o recuo social e civilizacional, insistindo na tese de que isso é imprescindível para depois crescermos e nos desenvolvermos. Mas sem se saber quando e como.

A estratégia é simples. Primeiro, culpabilizaram os trabalhadores, os reformados, os desempregados, os estudantes, os doentes, inculcando-lhes a ideia de que os seus direitos ao trabalho, à reforma, ao subsídio de desemprego, à proteção social, ao ensino, à saúde, a condições de vida digna, eram privilégios e regalias que desequilibraram as contas e deram origem à crise. Agora, para consolidar nos trabalhadores e no povo a perda dos seus pequenos direitos dizem-lhes: nem pensem voltar ao passado porque isso era o regabofe.

Ao hiato de tempo em que consumam o roubo, chama o PM "aperto" para cumprimento de "formalidades".

Vamos lá travar-lhe o atrevimento!

1 comentário:

  1. Um desmascaramento oportuno e verdadeiro feito por alguém que o país tinha obrigação de aproveitar melhor.

    Um abraço.

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