segunda-feira, 21 de julho de 2014

UM DIA DE TERROR, DESESPERO E GUERRA EM GAZA

Fugir de Gaza para Gaza (Hatem Moussa, AP)

Por Christopher Wadi, Gaza, em Jornalistas Sem Fronteiras


O primeiro ministro de Israel diz que fará em Gaza “o que tem a fazer”, mas além de o exército às suas ordens já ter assassinado 430 pessoas, na sua maioria civis, e de ele continuar a falar na destruição dos túneis que ligam o território ao Egipto, não se prevê quando dará a chacina por concluída e o que se seguirá.
Domingo foi o dia mais mortífero da operação “Barreira Protectora”, que o exército israelita começou há 11 dias com o apoio dos Estados Unidos, a compreensão da União Europeia e a cumplicidade objectiva das Nações Unidas – apesar de este acto de agressão ser uma violação flagrante dos direitos humanos e de numerosas resoluções do Conselho de Segurança em relação ao conflito israelo-palestiniano.
O número de palestinianos assassinados durante a operação chegou aos 430, a que se acrescentam mais de três mil feridos num cenário onde não existem condições mínimas de socorro clínico, desde hospitais sob bombardeamentos, falta de água e energia eléctrica, carência de medicamentos e exaustão de equipas de médicos e enfermeiros trabalhando 24 horas por dia. Grande parte das vítimas são crianças.
“Não tínhamos nenhum túnel na nossa casa, mas agora temos um monte de ruínas onde ela existia e acabei de enterrar os meus dois filhos, um com 11, outro com 13 anos, relata Hisham Said com os olhos perdidos no vazio e o rosto hirto, como se o medo, o sentido de sobrevivência e as emoções o tivessem abandonado. “Sou viúvo, a minha mulher foi assassinada também pelos israelitas em 2008, agora aqui estou, bem podia ter ido no lugar dos meus filhos mas Deus (Alá) destinou assim”.
Estamos em Shizhaya, um bairro na região oriental da cidade de Gaza onde as tropas israelitas saciaram parte da sua sede de sangue no domingo, desrespeitando uma “trégua humanitária” que acusam o Hamas de ter violado, apesar de ter sido este grupo a pedi-la, com mediação do Egipto.

As bombas continuam a cair, há fumo, ruínas, incêndios, cadáveres estropiados por todo o lado e gritos que por vezes não parecem humanos. Continuamos de pé junto das ruínas da casa que foi de Hisham. Ele diz que tem de ir encontrar-se e falar com um vizinho, Muhammad, tentar impedi-lo de ir recolher e tentar salvar as suas vacas a Beit Lahia, um pouco mais ao Norte, para que não sejam mortas pelos invasores, como aconteceu à manada que tinha em 2008. 
Cavalgando destroços, afrontando crateras, um jipe da Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinianos (UNRWA) abeirou-se dos restos da casa de Hisham. Susan, uma canadiana que já encontrara no campo de refugiados de Jabalia, veio até junto de nós e informou o meu interlocutor palestiniano, oriundo de uma família da Galileia, sobre o abrigo para os próximos dias. Recusou, disse que não sairia da sua casa e que tinha de ir pedir a Muhammad “para não fazer um disparate”.
Susan insistiu. Prometeu levar Hisham até junto do amigo e ofereceu-lhe boleia. Acabou por aceitar, como que desprovido de vontade para decidir. O jipe partiu aos solavancos como chegara, sob um céu cruzado por bombas. Momentos antes Susan prometeu continuar a conversa que tínhamos iniciado em Jabalia. “Os túneis são pretexto para a carnificina, mas se investigares vais descobrir petróleo e ligações aos militares egípcios que dão a Gaza uma importância que há pouco não tinha”.
Um companheiro inglês chegou com o rosto coberto de uma papa feita de pó e transpiração, a mesma que eu sentia, e propôs-me seguirmos mais para sul. Informou-me que mais de uma dezena de soldados israelitas – viemos a saber depois que eram 13 – tinham morrido em confronto com membros do Hamas depois de o veículo que os transportava ter sido atingido por um engenho da resistência.
“É uma chacina, mas não deixa, ainda assim, de ser uma guerra”, comentou Collin. “Até os que se julgam impunes, donos da razão e da moral morrem”, acrescentou remexendo no caderno de apontamentos. Do lado israelita morreram 18 soldados e dois civis até agora, resumiu.
“Não há dúvida de que Netanyahu tem objectivos alargados e não confessados para arriscar uma invasão terrestre sabendo que vai ter que justificar numerosas mortes que fazem lembrar os insucessos perante o Hezbollah no Líbano”, disse Collin como que pensando em voz alta.
Petróleo seria uma razão de peso, a dica de Susan faz sentido, reflecti.

Christopher Wadi, Gaza

2 comentários:

  1. A +AZ DOS CEMIT+ERIOS









    A paz dos cemitérios é a desejada para Israel...
    Abraço.

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  2. Os disparos feitos contra unidades de cuidados intensivos e as salas de operações dos hospitais, mulheres e crianças, dificilmente terão como objectivo destruir os afamados túneis que ainda ninguém viu.
    Abraço.

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