segunda-feira, 4 de junho de 2012

Agiotagem e conto do vigário





Por Carvalho da Silva, no Jornal «JN»





O povo português, como outros povos europeus, vive submetido a processos de agiotagem cada vez mais refinados e, em Portugal, o conto do vigário tornou-se prática da governação económica e política. Os portugueses foram convidados a fazerem de conta que eram ricos e embalados em falsas festas de modernidade, autênticas cortinas de fumo que escondiam negociatas e fraudes monumentais. Depois, passaram a ser acusados de irresponsáveis e de terem andado a viver acima das suas possibilidades.

Mas quem foram ao longo dos anos os "irresponsáveis", ou seja, os verdadeiros responsáveis pelas dificuldades em que vivemos e pelas limitações em que hoje se nos apresenta o futuro?

O relatório do Tribunal de Contas sobre as parcerias público-privadas é mais uma peça que confirma os negócios ruinosos feitos por vários governos. Trata-se de um processo prenhe de ilegalidades, de enganos, de fraudes e vigarices feitas sobre a riqueza e o interesse de todo um povo.

As promessas do primeiro-ministro de repor a legalidade nesses negócios não têm concretização possível, por duas razões: primeiro, o problema fundamental é a génese subversiva desse tipo de parceria; segundo, o Governo está de corpo e alma nos pressupostos políticos e nos objetivos económicos que sustentam essas parcerias. O problema só será resolvido quando tivermos um Governo identificado com os interesses do povo e não com os interesses egoístas dos grandes acionistas da banca e dos grupos económicos.

A trapalhada em que está envolvido o ministro Relvas é outra expressão das manipulações e atuações antidemocráticas. A insistência no distanciamento do ministro em relação a um dos "operários" das jogadas chantagistas com que estes processos se desenvolvem e os argumentos "legalistas" e formais que o primeiro-ministro, o Governo, os partidos do poder e outra gente do centrão político vão repetir, só agravarão a situação. O povo ficará mais descrente no Governo e nas instituições. Acumulam-se assim graves riscos para a democracia.


Entretanto, os mandantes da União Europeia, do FMI e os agiotas internacionais prosseguem a imposição de brutais políticas de austeridade a Portugal e a outros países. O processo de destruição dos direitos dos trabalhadores e do Estado Social, e o empobrecimento da generalidade dos povos intensifica-se.

A agência Bloomberg, em nota recente, afirma não poder haver um devedor irresponsável sem que exista um outro irresponsável que tenha pensado fazer um bom negócio à conta de emprestar a juros ao primeiro. Foi isso mesmo o que começou por se concluir em 2007 quando o castelo de cartas da finança desregulada começou a cair nos EUA.

Quando a bolha imobiliária, alimentada pela avalanche de crédito rebentou, muita gente pensou (justamente desejou) que tinha acabado a festa da finança desregulada, mas isso foi um brutal engano.

As juras dos governantes dizendo aos povos que os especuladores iam ser castigados e todo o roubo reposto, foi outro conto do vigário.

Na Europa, ao longo da década do euro, parte das economias que utilizaram esta moeda, a começar pela alemã, tornaram-se extraordinariamente excedentárias, ao mesmo tempo que outra parte, incluindo a Grécia, Portugal, a Espanha e a Itália, se tornaram extraordinariamente deficitárias. Isso aconteceu porque as economias excedentárias desenharam a integração europeia e as suas políticas internas com esse objetivo: abriram a Europa às importações asiáticas, garantindo para aí exportações de alta tecnologia, alargaram a União Europeia a Leste, criando bases manufatureiras de trabalho qualificado e barato. No plano interno, comprimiram os salários e, por fim, criaram o euro. Como resultado, as periferias ficaram cada vez mais desindustrializadas e improdutivas. Estas políticas destruíram e destruirão muita coisa e, seguramente, o Estado Social. Há que derrotá-las!

Na realidade, vistas as voltas que o dinheiro dá, os "resgates" das periferias mais não são do que um saque organizado dos acionistas dos bancos alemães e outros, isto é, dos tais verdadeiros "irresponsáveis" que não se cansam em apontar o dedo para a irresponsabilidade alheia.

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