segunda-feira, 2 de junho de 2014

A ARMADILHA

Por José Goulão, em JORNALISTA SEM FRONTEIRAS
A União Europeia não resistiu às suas próprias eleições, através das quais procuraria chancelar um  conteúdo democrático que não tem. Desta conclusão global decorrem todas as análises parcelares, sejam sobre a abstenção, sobre a subida da extrema direita, sobre as falências ideológicas, sobre o primado dos mercados, sobre a falsa história oficial do nascimento e desenvolvimento da integração europeia.
Ironia  das ironias, as eleições europeias não tiveram mais valor democrático do que as que a União Europeia apadrinhou na Ucrânia, legitima no Egipto ou excomunga na Síria. Se na União votaram muito menos de metade das pessoas recenseadas, na Ucrânia não votou meio país, no Egipto o partido mais votado foi proibido de concorrer, na Síria vota-se em plena guerra civil a cujas origens a União Europeia não é alheia.

Sendo a União Europeia uma entidade que, de braço dado com os Estados Unidos da América, define e propaga a democracia, mesmo que para tal seja preciso criar guerras, o cenário descrito nada tem de contraditório. É apenas trágico.
Nas eleições europeias venceu a austeridade, triunfaram os mercados. Tudo se passou como naqueles jogos de futebol em que já se sabem os resultados de antemão porque o árbitro está comprado.
Sabia-se à partida que o vencedor seria a coligação não assumida entre as correntes que teimam em chamar-se sociais democratas e democratas cristãs quando não passam da cara e coroa da moeda neoliberal. A social democracia morreu há muito, nos tempos em que o redentor “socialismo democrático” foi sepultado em múltiplas gavetas, seja por ordens do FMI, seja porque o capitalismo ganhou forças para soltar os mercados ao vento. A democracia cristã perdeu pelo caminho a doutrina social da igreja e uma ética que se extinguiu simbolicamente no dia em que a coligação criminosa de mercados, políticos e mafia assassinou Aldo Moro.
Ganharam pois os que governam e já tinham ganho antes, e antes, e antes porque social democracia e a democracia cristã, hoje irmãs do mesmo sangue, formam o “arco da governação” onde não cabe ou caberá mais ninguém enquanto as coisas estiverem como estão. E estão nas mãos da austeridade, do autoritarismo e dos mercados, contra as pessoas.
Por isso muito mais de metade das pessoas não votaram – em países como a Eslováquia votaram 12 em cada 100 – e muitas fizeram-no seguindo führers, gaulaiters, cappos fazendo-as crer que a História se enganou em 1945 e todos os males vêm daí, a começar por aquilo que é a União Europeia. Males que a União Europeia confirma e assume praticando como democracia aquilo que nada tem a ver com democracia. Por isso o fascismo já não se limita a espreitar, age, manipula e actualizou-se economicamente, não tem qualquer repugnância pelo neoliberalismo, vê nele um sistema de poder autoritário e ditatorial tão bom como os melhores. O teste da Ucrânia é conclusivo – observe-se como o fascismo “pró-europeu” e esta democracia vigorando na União Europeia se entendem tão bem.

Como pessoas e cidadãos somos todos vítima desta armadilha. A única maneira de nos libertarmos dela é destruindo-a.

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